Acabei agora mesmo de ler este livro. Esticado, sobre uma manta no piso aquecido pelo sol do meu terraço. Numa tarde solarenga de Outono, em época de abstenção quase forçada de viagens. Resta portanto passar por fronteiras com a ajuda do papel e da pena de outros. E desta vez tratou-se da obra Peregrinação, do escritor e jornalista francês Olivier Rolin.
Rolin encontra-se espiritualmente ligado a Portugal. Escolheu o nosso país para uma edição em simultâneo com o lançamento do livro em França. E abre-o com uma memória dos Açores, onde também se encerra o volume.
Ao longo das 248 páginas que tem o Peregrinação da Sextante Editora o autor leva-nos a viajar com ele, não só por terras longínquas mas também por tempos que não pertenceram à maioria dos leitores. É uma vantagem de se contar com uma idade respeitosa de 73 anos. E de se ter reunido ao longo da vida uma coleção notável de apontamentos.
Ora uma das coisas que faz este livro extraordinário é como o autor usa todos aqueles blocos de formas e feitios sumariamente descritos em determinado momento: simplesmente discorre, deixando-se levar por uma narrativa errática, derivando daqui para acolá, da década de 50 para o dia de ontem. É um carroçel de memórias, um sem fim de situações, de retratos escritos. Bonecos por palavras, sobre pessoas e lugares. Sobre o próprio autor e os seus amigos, que de repente deixam de fazer parte do universo das viagens e passam para um registo de memórias intimistas, onde Rolin se humaniza ainda mais. E nisto damos por nós quase de lágrima ao canto do olho, assistindo ao derradeiro adeus ao seu amigo Serge, a quem lê páginas de Proust até ao último momento.
Há mais uma coisa que distingue este livro de viagens de todos os outros que convencionamos assim classificar: Olivier Rolin nunca, mas nunca mesmo, viajou para viajar. Todas as suas idas e vindas pelo mundo, todo esse acumular de experiências que conferiram volume aos seus abençoados livrinhos de notas, resultaram de deslocações em trabalho. Como escritor ou como jornalista. É um detalhe quase surreal, mas que resulta refrescante.
Gostei de tocar esta outra forma de viajar, que já não se faz. Afastada dos voos low cost, dos hostéis e tours, dos egos dos viajantes profissionais e semiprofissionais, assim como eu próprio. Rolin movimentou-se uma boa parte da sua vida por um mundo sem internet, nem smartphones, nem computadores. Eram diferentes, esses tempos. Remetem-me para os aventureiros que no século XIX exploravam o mundo, para o universo imaginário de Tintim, para as histórias contadas pelo meu pai. É, em suma, uma boa leitura, apesar de ensombrada por algo que não será de somenos importância: a tradução.
Na abertura do livro, Rolin dedica uma linha à sua tradutora, em quem deposita uma enorme confiança. Fiquei à vontade, mas o alívio foi de curta duração. A edição portuguesa está inquinada por um trabalho miserável de tradução, com erros de diversos tipos. Nunca tendo aprendido francês, há sempre um conhecimento ligeiro oferecido pela base linguística comum. E mesmo uma pessoa nesta condição consegue adivinhar erros, imaginar a palavra ou frase original e como ela foi abastardada sem glória pela tradutora. Outras vezes são palavras rebuscadas, impróprias, que resultam num mau português, de uma forma ou de outra.
De 1 a 5 daria 3 a este livro, mas a dedução de duas estrelas deve-se apenas à sua tradução e, em menor escala, à edição, que deixou escapar um par de erros. Ou talvez mais. Um par foram os que agarrei.