Livros: Regressos

0
99

Antes de mais, uma palavra ou duas sobre Manuel Teixeira-Gomes, uma figura pouco conhecida da história portuguesa: nasceu em Portimão em 1860 e destacou-se como escritor, diplomata e político, chegando à presidência da jovem República, um cargo que exerceu entre 1923 e 1925.

Uns meros seis após renunciar à sua posição, uma decisão impulsionada pelo desapontamento que sentia relativamente ao cenário político nacional, embarcou para a Argélia num autoimposto exílio que só terminaria com a sua morte, em 1941.

Durante esses dezasseis anos escreveu aquelas que porventura serão as suas obras mais marcantes, como Cartas a Columbano (1932), Novelas Eróticas (1934) e Ana Rosa (1941). E também o livro sobre o qual escrevo hoje.

Regressos. Um volume que reúne memórias avulsas, que narra, lá está, regressos a um passado de Manuel Teixeira-Gomes. Impedido de revisitar de facto os locais por onde viajou em Portugal antes de se estabelecer na Argélia, o autor fá-lo através das suas memórias. E é de memória que nos conta impressões, conversas, experiências. Sem o recurso a quaisquer apontamentos, Manuel Teixeira-Gomes arma-se apenas com a sua excelente memória para nos contar episódios que, em alguns casos, ocorreram quase quarenta anos antes.

O volume encontra-se capitulado por locais. Inicia-se em Évora, passando depois para Alcobaça, Sintra, Batalha. Detém-se um pouco no Museu dos Coches, local muito apreciado pelo autor, que a ele dedica um capítulo relativamente longo. Segue-se o Algarve, especialmente querido a Teixeira-Gomes, o Porto, Braga, Coimbra, Lagos. E, por fim, Lisboa, que surge como algo diferente na estrutura do livro. Aqui o texto centra-se mais nas pessoas, no seu círculo social, no seu quotidiano, perdendo a natureza descritiva, muito intensa até então. São cerca de sessenta páginas de um total duzentas e vinte. Vai-se lendo como um retrato da vida de uma elite cultural lisboeta. Convivemos com João de Deus e António Nobre e outras figuras com nomes sonantes. São os seus amigos e conhecidos.

Para terminar, quase que como uma adenda, um capítulo sobre uma viagem a Santiago de Compostela. É anticlimático, desconexo da lógica da obra. E abusa das longas descrições, é um texto seco e estéril. A antítese da ideia de “cereja no topo do bolo”. Por isso, esqueçamos essa infeliz ideia e voltemos o foco ao grosso do livro.

A prosa de Manuel Teixeira-Gomes tem uma qualidade que surpreende. Dou por mim a pensar que é uma pena este autor não ter sido mais prolífero. Teria aqui um fã para a leitura de muito mais.

As suas descrições são ricas, são servidas salteadas com apontamos plenos de humor que valem ainda mais por, creio, não o pretenderem ser.

Seguindo as páginas de Regressos viajamos, não só no espaço português como no tempo. Vamos conhecendo cidades que provavelmente já visitámos, mas sobre as quais ganhamos uma nova perspetiva. É-nos oferecida uma outra camada, temporal, que pinta todos esses locais com a cor da História.

Manuel Teixeira-Gomes foi um homem incrivelmente culto e isso transparece nos seus textos. Oferece-nos histórias cruzadas, apontamentos sobre a arquitectura e o espólio cultural que observa. Leva-nos de um lado para o outro, aliciando-nos com a curiosidade do que se seguirá. É um livro que se lê bem e depressa. Ainda para mais servido numa bela edição da Quetzal. Bom papel, boa encadernação. Um volume fisicamente muito agradável. E altamente recomendável.

Subscrever o boletim semanal
às Sextas-feiras o resumo dos artigos publicados no
Cruzamundos na última semana.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui