De repente, nem sabia quantos voos com a Ryanair levava no meu currículo de viajante. Muitos, certamente. Dezenas, mais de cem. Precisei de consultar o devido registo. Afinal eram 122. Muito voo, quase sem incidentes. Comecei a voar com a companhia em 2006 e desde então para além de pequenos desconfortos apenas um atraso significativo, numa ligação de Sevilha para Marraquexe que teve como única consequência privar-me de quatro preciosas horas em terras marroquinas.

Ao longo de todos estes anos envolvi-me frequentemente em debates e discussões com fervorosos inimigos da companhia irlandesa. Nunca consegui respeitar estes oponentes por aí além. Tirando umas quantas honrosas excepções, perfilavam-se em dois grupos: os que basicamente nunca tinham viajado com a Ryanair e criticavam por procuração e os que viviam ainda no tempo do “chá, café ou laranjada” de outras eras da aviação civil.

Mas desde hoje as coisas serão diferentes. Não o dia em que está a ler estas linhas mas sim da data em que as escrevo, para que fique registado, o 22 de Junho de 2018, um primeiro dia de Verão e, já que parti do Porto, porque não referi-lo, um dia de São João.

A Ryanair finalmente conseguiu irritar-me. Nunca me chocou que se pagassem por serviços desde que o preço base fosse ridiculamente baixo. Que a qualidade do serviço a bordo fosse por vezes discutível. Que se fizesse da cabine uma feira. Que uma vez por outra houvesse alguma descoordenação no embarque. Sempre acreditei que esses inconvenientes eram um razoável preço a pagar para poder atravessar um continente por uma pequena fracção do que custaria antes da época Ryanair. O que vi acontecer hoje, não como um acidente ou incidente mas como uma nova política da empresa é que não. Não tem defesa, não tem justificação, não pode ser tolerado.

E o que é que me chocou assim? Não uma mas duas coisas.

Primeiro, a alteração à política da bagagem de cabine. A Ryanair tem experimentado vários modelos, a um ritmo mais acelerado nos últimos dois anos.

Nos tempos áureos dos voos a 0,01 Euros as coisas eram teoricamente claras: uma peça de bagagem a bordo, gratuita, de dimensões e pesos limitados, que podiam ou não ser verificados pelos funcionários. A questão do peso foi gradualmente sendo abandonada.

Mais recentemente, para espanto de muitos, foi aplicada uma enorme generosidade às novas regras, que permitiam ao passageiro trazer consigo, sem pagar, não só a mochila de sempre, como uma peça mais pequena. Isso causou problemas, claro. Não há simplesmente espaço a bordo de um avião cheio para tanta coisa.

Seguiu-se um certo caos. Por vezes os funcionários passavam pela linha de embarque e recolhiam peças mais volumosas que seriam transportadas, ainda gratuitamente, no porão. Outras vezes aplicava-se o principio da fila e apenas os últimos passageiros tinham que se separar das suas malas e mochilas.

Mas a situação era desagradável para toda a gente e gostei das novas políticas anunciadas o ano passado: quem quisesse transportar as duas peças teria que pagar um pequeno extra, senão só poderia transportar a peça com as dimensões tradicionais, equivalente a uma mochila de 40 litros. E mesmo assim, os primeiros passageiros a apresentarem-se na porta de embarque, poderiam trazer o segundo volume. Todos os outros teriam que enviar bagagem para o porão. Gratuitamente, é certo, mas com todos os inconvenientes inerentes: esperar pelas malas no tapete do terminal, arriscar extravios, danos e furtos. A mim, pareceu-me uma política muito razoável.

Contudo, a companhia não conseguiu resistir à tentação da ganância, de uma ganância pérfida, e voltou a alterar as regras, desta vez para termos absurdos: se não pagar a taxa, o passageiro poderá trazer apenas a malinha pequena. Muito pequena. Irrealisticamente pequena. A outra, irá para o porão. A Ryanair perdeu legitimidade. Não há razão para isto. Não vem equilibrar nada, não se deve à necessidade de gerir o espaço no interior da aeronave. É, pela primeira vez, uma taxa de algo que não é opcional: a percentagem de passageiros que pode viajar efectivamente com uma pequena mochila é residual. Resultado? Inconvenientes múltiplos. Ou paga ou a bagagem vai para o porão com os problemas que já referi. Criam-se tensões, reacções, perdas de tempo no processo de embarque. Há que acautelar bens que não poderão seguir lá para baixo. E depois, uma pessoa entra na cabine, olha para as bagageiras e o que vê? Sem mais comentários, apenas isto:

 

Mas a Ryanair não se fica por aqui. Agora os lugares atribuídos automaticamente separam passageiros que compram bilhetes juntos. De forma intencional e desnecessária. Ou se paga para escolher lugares e impedir esta separação ou cada um para uma ponta diferente da aeronave.

No meu caso, que voava para Lorient com companhia, ao fazer o checkin recebi logo a ameaça: vão ser separados. Quer pagar para que isso não aconteça? Não. Então toma lá, tu vais para o 4C e tu para o 16C. Duas coxias, os piores lugares da linha.  Tal como as novas regras de bagagem de cabine, esta política é execrável. É chantagem. Não tem nada a ver com os bons velhos métodos de cobrar por serviços não essenciais que contudo teriam um custo para a companhia. Agora os métodos para sacar dinheiro ao passageiro passa pela coerção. 

Em suma, é a aplicação do velho princípio gangster da taxa de protecção: se não pagar, a questão não é que lhe pode acontecer alguma coisa, a questão é que lhe vai acontecer alguma coisa.

E tal como fiz com a questão da bagagem, não deixo mais comentários para além da imagem… era para isto que era necessário separar-me da minha companhia:

 Já agora, à laia de post script, o voo FR3734 do Porto para Lorient foi antecipado quase quatro horas com uma semana e meia de antecedência. Sem consequência no meu caso, mas quem tivesse preparado uma escala no Porto com ligação matinal desde outro aeroporto, tramou-se. Quem ao contrário de mim não planeava dormir no aeroporto, soube de repente que teria que gastar algo equivalente ao preço do bilhete para França em táxi ou Uber.

Outra coisa: o voo saiu com 18 minutos de atraso. Não porque o aeroporto geriu mal o tráfego ou porque o avião já vinha atrasado por qualquer outra razão inimputável à Ryanair. Um voo que supostamente descolará às 6 horas da manhã não se atrasa a não ser por incompetência processual da empresa. E essa ficou clara na longa fila para embarcar quando apenas uma funcionária verificava a documentação e no inexplicável atraso na autorização para que os passageiros embarcassem na aeronave.

 

7 COMENTÁRIOS

  1. Não duvido minimamente a tua experiência, mas já voei depois dessa data de Porto para faro e mesmo indo agora ao site, não encontro nenhuma referencia a ter que se pagar pela mala de mão que vai para o porão.

      • Pois percebi mal, a minha confusão é que já viajei várias vezes com esta nova política e nada tinha mudado para mim, mas agora que falas para quem levava mochila deve ter mudado desde Maio, mas como eu uso sempre mala dura + mala de portátil nem reparei.

        O que já reparei é que já estragaram 2 malas a minha namorada e uma a mim (essa reparei a tempo de reclamar no Porto, pois em Faro não existe a banca e deram me outra )

      • Mais uma informação, hoje (agora) a minha irmã está a fazer o voo Faro – Porto com uma mala maleável e uma mochila e disseram que não tinha que ir nada para o porão, mas no voo de vinda para o Algarve teve.

        Isto claramente ainda não está nada claro.

  2. Olá , bom dia. Sem duvida um artigo que concordo a 1000% contigo , não te retiro uma unica virgula !

    De facto a folia das bagagens era de esperar … entrei em diversos aviões que ficava parvo com o tamanho da bagagem … e pior ainda traziam um bom saco na mão … enfim a tolerancia instalou-se e o resultado apareceu !

    Quanto à forma de mudar o comportamento da companhia … não ha forma … apos o desagradavel problema dos voos cancelados e toda a publicidade negativa para a companhia , os resultados financeiros , são soberbos … desculpem-me o termo , mas a companhia pode fazer toda a “merda” do mundo que não havera nenhum problema na sua imagem ( financeira ) .

    Quanto a essas taxas e taxinhas … isso faz-me recordar os “tempos do “chá, café ou laranjada” de outras eras da aviação civil. ” quando se comprava uma passagem aérea pour 20 contos mas depois havia sempre mais a taxa do aeroporto , mais a taxa do ar respirado etc etc etc . Hoje esta companhia volta a reiditar esta velha teoria , e nós nada podemos fazer !

    Grande abraço !

    Pedro

  3. Por norma os funcionários na porta de embarque trabalham para outra empresa que tem um contracto de handling com a Ryanair. Relativamente ao facto de o embarque não se ter efectuado imediatamente como frequente viajante deveria saber que podem existir várias razões… Falta de um membro da tripulação o qual não premite o reabastecimento do avião e ter passageiros a bordo ou um problema técnico da aeronave …

    • Sim, é verdade… pormenor de segunda linha na matéria do artigo, mas deves ter reparado que se tratava do primeiro voo do dia da aeronave, o que corta algumas dessas razões 🙂

Responder a Flavio Cancelar resposta

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui