Reconheço que cheguei à Gâmbia com algum preconceito na mochila. Tinha a ideia de um país altamente turístico, onde o branco não conseguia andar na sua sem ser abordado a cada dois passos e sem nada para ver e fazer que não se enquadrasse nos programas preparados para os estrangeiros.

Além disso tinha lido relatos de pequenos horrores na fronteira, guardas corruptos e gananciosos que levantavam todo o tipo de problemas em busca de algum dinheiro.

OK, a minha experiência não foi prolongada. Apenas um dia. Nem tanto. Umas horas, que incluíram uma noite. Mas o que encontrei na Gâmbia foi apenas sorrisos, gente amável e boa disposição.

Acordei pela última vez na minha amada cabana de Cap Skirring. Eram sete horas. Despertei sem pressas, joguei um jogo de xadrez online, vi o que se passava no meu mundo. Comecei a acabar de arrumar a mochila. A preparar o psico para a anunciada batalha da Gâmbia.

Saí para tomar o pequeno-almoço, que tinha deixado pago na véspera. Fui o primeiro a chegar e comi com gosto, pela última vez, aquela sandes de bom pão com manteiga, empurrada por uma caneca de leite em pó e selada por um café generoso.

O Papa Vieux apareceu pouco depois. Tinha-me oferecido boleia. Vai para Dakar, passar uma semana, tratar de negócios. Além disso a mulher e a mãe estão na capital. Não percebi bem se a oferta se limitava ao primeiro troço, até Ziguinchor, ou se era extensível até à Gâmbia. Era só para o arranque.

Bem, lá saímos, no seu Mercedes. Viagem célere até à capital da região, com boa conversa sobre uma série de tópicos. Chegamos à cidade, ele pergunta-me se sei os preços do transporte para a Gâmbia e se quero que me arranje um táxi para a estação rodoviária, que insiste em pagar. Despedimo-nos ali e com o táxi atravesso a cidade, que é bem maior do que imaginava.

Logo arranjo um ajudante para lidar com o processo da compra da senha para o sept-place, muito eficiente, com um inglês aceitável. Toda a informação, toda a ajuda, arranjando-me um dos melhores lugares, explicando-me que tenho mesmo que mandar a mochila para o porta-bagagens por causa da polícia, mas que para ficar descansado devo tirar os valores e levá-los junto a mim.

A viagem custa 2.500 CFA e o “amigo” pede 500 CFA. Nem sabia se aquilo ia até Banjul ou só até à fronteira. Depois perguntei a outro passageiro, era só até à fronteira.

São uns 80km, sem paragens para assuntos de passageiros mas com as habituais verificações de segurança que incluem sair e  mostrar a identificação por um par de vezes.

Fronteira. Sair do Senegal, sem problemas. Entrar na Gâmbia… bem, não vou adiantar muito por razões evidentes, mas quem tem amigos com conhecimentos tem vantagens.  Passaporte carimbado seguiu-se uma minuciosa inspecção da bagagem feita por um homem jovem à civil super divertido e simpático, num gabinete onde se encontrava uma moça bem gira, que imagino sirva para necessárias revistas a elementos do sexo feminino.

Acho que nunca passei por uma revista de bagagem que me tivesse dado gosto! Mas foi o caso na Gâmbia. Gostei imenso daquele bocadinho com aquelas duas pessoas que foram logo uma primeira excelente impressão do país.

Tinha ficado a perder um bocado de dinheiro no câmbio, 7 Euros, em relação ao que esperava, mas o que poupei depois compensou. Perdi de alguma forma outros 4 Euros, mas o balanço foi excelente. Tinha hesitado um bocado em passar pela Gâmbia. Podia ter apanhado um barco de Ziguinchor para Dakar ou mesmo um avião, ficando mais dias em Cap Skirring. Mas ainda bem que escolhi a opção Gâmbia!

Estou dentro. Agora é encontrar transporte para Serrakunda. Explicam-me que não há. Preciso de ir num carro dali, por 50 Dalasi, e depois pagar 15 Dalasi para um mini-bus para o percurso final. OK.

Travo conhecimento com um guineense que vai a Serrakunda encontrar um amigo de Bissau. Fazemos juntos aqueles troços. Pela janela vou vendo a paisagem. É África, típica, não aquela para turistas, com leões e savanas, mas a genuína, a dos africanos. A paisagem natural é mesmo assim bonita, mas são os aspectos humanos que me fascinam.

A densidade urbana intensifica-se e chegamos à estação. É uma pequena loucura, interessante, fascinante, mas totalmente caótico. Ficamos ali, eu e o o guineense. Entre os dois lá nos orientamos no transporta para Serrakunda. Uma carrinha grande cheia de gente. Trepamos para os dois lugares da frente que estão vagos, esperamos uns poucos minutos e logo estamos em andamento. É o melhor do dia. São uns 20 km, quase sempre pela mesma estrada, uma estrada sem um bocadinho livre. Tudo ali é para ser observado.

Na Gâmbia há uma mudança de ambiente. Será a influência inglesa, oposta à francesa do Senegal? Aqui há um toque de Jamaica ou de Belize, um ritmo no ar, uma musicalidade. É curioso ver tudo escrito em inglês e poder comunicar melhor do que até agora em África. Mesmo melhor do que na Guiné Bissau, creio.

Há muitos estudantes, todos de uniforme, elas com uma fardinha muito muçulmana, que lhes tapa o cabelo totalmente. As escolas são imensas e em frente a cada uma há uma agente da polícia que manda parar o trânsito quando os alunos precisam de passar.

Há School Buses como na América Central. Mas noto que apesar da colonização inglesa conduz-se pela direita.

Por fim chegamos ao destino final, que não é assim tão longe do ponto para onde quero ir, onde o Malick, o meu anfitrião para a noite mora. O amigo do guineense está ali à espera e logo me dá apoio, pega no telefone, liga ao Malick, arranja-me um condutor de táxi, que pede um pouco mais do que seria normal… mas apenas um bocadinho, está calor, estou cansado, tenho fome e sede. Não como nem bebo desde as sete da manhã e estamos agora no pico do calor, pouco depois das duas horas.

Então aceito o preço e foi uma coisa boa que fiz porque este taxista é um dos poucos genuinamente honestos, de bom coração, que conheci. Leva um enorme cachecol do FC Barcelona no carro e meto conversa por aí. Depois música. E pronto, estamos a chegar, ele telefona ao Malick e para no sítio combinado. Pára mas recusa-se a ir embora. Quando lhe digo que esto cheio de fome insiste em me levar a algum lugar dentro do que eu pretender e depois voltarmos aqui.

O Malick diz dois minutos mas leva uns vinte minutos e o taxista comigo, sempre a dizer que não se vai embora enquanto eu não estiver entregue. Cinco estrelas hein? Abre o porta-bagagens, oferece-me uma garrafa com um bloco de gelo e uma outra apenas com água.. para misturar. Sabe-me mesmo bem.

Pronto, chega o Malick, vamos buscar comida para mim a um take-away, um almoço que custa menos de 1 Euro. Vimos para casa, o taxista sempre o mesmo, espera enquanto me instalo.

O Malick tem que sair, diz que volta no máximo em três horas, mas não aparece nunca mais. Fico em casa sem fazer nada, acabo o meu livro, olho para o tecto. Isto deve ser uma amostra do que se sente quando se está preso. Não é agradável.

Passaram as horas. Cinco, seis horas. Envio-lhe um SMS a perguntar se há algum problema. Sem resposta. Acabo por adormecer, dormitar, um sono leve, induzido pelo calor. Desperto com um bater suave na porta. Malick, Malick.

Acho que vem um pouco entornado. Vem ver se está tudo bem, mas tem que sair outra vez, desta vez são só cinco minutos. Tudo bem. Claro que não serão cinco nem cinquenta minutos e depressa estou a dormir outra vez.

Três da manhã, novo bater na porta. O Malick está de volta, claramente torto. Trocamos umas palavras, vou à casa de banho e quando saio ele entra, para uma boa sessão de vómito e diarreia.

Abre a porta para os gatos invadirem o apartamento e deita-se a dormir. O resto da noite vou passar com três gatos em cima de mim, a devassar a minha mochila, a afiar as unhas no saco cama. Especialmente o pretinho que está convencido que vai encontrar em mim as maminhas da mãe com leitinho bom para jantar. Como se vê, foi uma noite em grande.

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