Dia 19 de Janeiro de 2020 – Domingo

Dia para o passeio das cascatas. Existem muitas actividades e alguns passeios na natureza que se podem fazer em Mindo, mas este será porventura o mais popular.

Pequeno-almoço na casa e depois encontrar um taxista que nos leve à tarabita. Tarabita é a designação deste meio de transporte, uma caixa suspensa em cabos de aço, usado para ultrapassar vales agrestes. Tal como tinha visto, e experimentado, na Colômbia. E agora repetirei a graça, até porque não há outra forma de chegar ao percurso das cascatas.

Uma cabana idílica para passar uns dias em Mindo

Somos as primeiras pessoas do dia. Tinha que ser assim, é Domingo, imagino que muitas gente venha de Quito passar o dia aqui. São só 100 km através de boas estradas.

Compramos os bilhetes, um pouco caros se pensarmos apenas na travessia do vale, mas a verdade é que estamos também a adquirir o direito de fazer o passeio e visitar as cascatas.

É o primeiro cesto do dia e para além de nós vai um funcionário da tarabita e um cão. O animal tem um olho de cada cor e parece ser independente. Estará muito habituado aquelas andanças porque se porta como um verdadeiro cliente habitual, nada impressionado com as alturas ou com a movimentação do cesto metálico. Do outro lado faz questão de ser o primeiro a sair e vai à sua vida.

À chegada um funcionário espera-nos para fazer um briefing que repetirá dezenas de vezes ao longo do dia. Mostra-nos o mapa da área, explica-nos sumariamente as opções, distâncias, graus de dificuldade, perigos. Dá-nos recomendações de segurança, responde com competência às minhas perguntas. Muito bem, fiquei impressionado. Até ofereceu canas de caminhada, encostadas a uma árvore.

Assim que iniciamos o caminho mais amplo ouço vozes. Uma família de equatorianos vem para cima. Claramente com peso a mais vão-se queixando e chorando-se enquanto passo por eles. O trajecto parece ser duro ou… poderá ser apenas um problema de obesidade.


De início aborrece-me um pouco as protecções no trilho, que sinto como uma intrusão humana na natureza que preferiria rebelde. Mas esse problema acaba logo. A maior parte do trilho é apenas isso, uma estreita passagem pelo mundo verde que nos rodeia.

Não demora muito até encontrarmos a primeira queda de água. Nenhuma delas é verdadeiramente espectacular por si, mas o conjunto, enquadrado pela floresta tropical, é extraordinário.

Considerando o mar de turistas estrangeiros, de jovens gringos, que vimos na povoação, é um milagre que ao fim do dia tenhamos encontrado apenas uns poucos. De resto, mesmo equatorianos não foram muitos. Talvez a área seja suficientemente ampla para receber muitos visitantes sem que se sinta isso como um abuso. Correu bem e recomendo.

Fomos até ao fim do percurso, visitando todas as cascatas. Algumas deles implicam pequenos desvios desde o trilho principal. Não encontrámos basicamente ninguém. Tranquilidade e beleza natural, isso sim, esteve por todo o lado.

Lá em cima o céu continuava encoberto, o azul filtrado por um impenetrável manto branco, de humidade suspensa. Aqui até isso faz sentido. Mal sabia eu que este cenário me acompanharia durante semanas. Mas para já estava óptimo. E as coisas nem me doíam especialmente. Estava no paraíso.

Regressámos apreciando cada momento. Chegámos à base da tiribita, onde havia um rústico restaurante. Alimentei-me com um bem servido batido de uma qualquer fruta tropical, descansámos. E depois iniciámos o percurso que se estendia para o lado oposto, que conduzia à Cascata Rainha.

Se do outro lado não tínhamos encontrado muitas pessoas, para aqui ainda havia menos. Acho que ao longo do caminho de ida não vi ninguém.

Mas na cascata, aí sim, havia uma pequena multidão. Um par de noivos tirava fotografias para o álbum de casamento. Um par suicida, empapado com a água da cascata, apostando na gripe certa.

Os assistentes dos fotógrafos andavam por ali e o equipamento estava espalhado pelo recinto. Havia outros visitantes, que foram partindo enquanto visitávamos o local. E um cãozinho sem dono de olhos tristes pendichava comida e companhia.

Quando a última família saiu dali, afastámo-nos um pouco da cena de fotografias e comemos qualquer coisa à beira do riacho. Dei metade do almoço ao cão e depois tive que o enxotar para que não nos seguisse quando iniciávamos o regresso. Ainda tentou vir connosco, sempre com aquele olhar do que era, de cachorrinho abandonado.


Para cá vinham já várias pessoas. Trilho mais simples de caminhar que o anterior, sem grandes mudanças de altitude, quase sempre plano, para os padrões do local.

Ia sendo tempo de nos despedirmos daquele mar de verde. Ainda foi uma boa caminhada. Muitos quilómetros com subidas e descidas suadas. Agora chegávamos à base da Tarabita para encontrar uma longa fila de pessoas que aguardavam o transporte para o outro lado. Sem problema. Relax. Outro sumo. Esperar. Mas não foi preciso muito tempo para que se abrisse uma vaga para duas pessoas no cesto mas como todas as outras pessoas estavam em grupos maiores ninguém avançou. Melhor!

Do outro lado decidimos descer a pé em vez de pagar um táxi. Não por causa do dinheiro mas porque apetecia caminhar mais e apreciar a paisagem com calma. Fomos descendo e logo ficou claro que a maior preocupação não se materializava: não passavam quase carros nenhuns e foi com grande gosto que chegámos a Mindo a pé, passando junto a cascatas, pontes, flores de cores e  texturas impressionantes, estruturas abandonadas no meio das árvores gigantes.

A chegar à povoação começou-se a sentir o Domingo. Junto ao ribeiro famílias divertiam-se. Uns banhavam-se em recantos abrigados das águas revoltas, outros faziam churrascos que libertavam um aroma tentador. Muita vida, muita animação domingueira.

Logo estávamos em casa, para um duche retemperador e um momento de descontracção. As costas doem-me.

Mais tarde saímos para a aldeia. Decepcionante. A alegria e dinâmica da véspera tinham desaparecido agora que o fim-de-semana chegava ao fim. Estranhamente, porque me pareceu que os estrangeiros asseguravam o ambiente e para esses, como para nós, o fim-de-semana era um acidente casual. Mas não. Tudo mortiço, quase deprimente. Comemos no mesmo restaurante e sem encontrar em Mindo o forte atractivo de véspera, recolhemos para preparar a partida do dia seguinte.

 

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