Dia 9 de Fevereiro de 2020, Domingo

Acordar cedo para apanhar o autocarro pela manhãzinha. Vai ser um dia longo. Um dia que não começa bem, quando tenho o primeiro e único flop Uber na América do Sul: o carro prometido não aparece nunca, espero 20 minutos, não há um segundo carro por perto e já não posso esperar mais, tenho mesmo que usar um táxi.

A partir daí correu bem. Já um bocado nervoso com as horas caminho um bocado na direcção do centro da cidade e encontro um táxi que vem na minha direcção. Um homem simpático e honesto que me dá um preço justo de imediato e a caminho para a estação rodoviária.

Fica bem afastada. Passamos por bairros e subúrbios, voltas e contravoltas e chegamos. Agora é apanhar o autocarro para Puno, que será a minha última paragem no Peru.

Esta jornada acentuou a má ideia que já tinha do país. O Peru não é a mais pobre das nações sul-americanas, mas para mim parece. Estradas más, povoações de aspecto miserável, casas tristes, mares de lama nas ruas, faces crispadas. Estas são as memórias dominantes que trago do Peru. Uma experiência pessoal, eu sei, mas é a minha.

A paisagem natural passa diante de mim. É espectacular. Espaços amplos em planalto. Vamos bem alto, acima dos 4 mil metros. Vêem-se vicuñas, os parentes selvagens dos lamas. E há algum azul no céu, que não impede violentos aguaceiros que sucessivamente fustigam o autocarro.

Ouço uma passageira, uma senhora de mais idade, dizer à jovem que vai ao seu lado que em Puno está a decorrer um festival religioso que é um espectáculo. Apuro o ouvido. Pelo que entendo o melhor mesmo será no dia seguinte, ao longo de todo o dia. Tenho que ver isso, não sei bem como mas vou fazer os possíveis.

Chegamos a Puno. Visto de longe é impressionante. Uma cidade que sobe pela face da montanha, desde as águas do lago Titicaca, que ali se formam em baía.

Lá em baixo está o caos armado. O Festival de la Virgen de la Candelaria paralisa a parte baixa de Puno. O trânsito está todo parado e para um autocarro as coisas são ainda mais complicadas. Entre participantes nos desfiles e espectadores, as vias são completamente bloqueadas. A custo e com a ajuda de um polícia, invertemos e contornamos o centro para chegar à estação rodoviária, uma experiência que me dará jeito no dia seguinte.

Ali está à minha espera um condutor que me levará ao cais onde o meu anfitrião para esta noite me recolherá. Na realidade conduz uma carrinha que já está cheia de turistas estrangeiros. Felizmente não vão para o mesmo lugar. Quer dizer, vão, de certa forma.

Vou ficar numa ilha flutuante. É algo de único, habitats humanos criados de forma artificial sobre as águas do lago. Ali vive o povo Uru. O hábito de viver nestas ilhas flutuantes desenvolveu-se com a procura de segurança, especialmente depois da chegada dos Incas.

As ilhas são formadas com algas, entrelaçadas de forma a constituir uma base forte. A plataforma vai engrossando até atingir cerca de 2 m de altura. O mais espantoso é que em vez de um sistema tipo âncoras, as ilhas estão ligadas a terra por cordas. Muitas cordas.

E pronto, era para uma dessas pequenas ilhas – e estamos a falar de algo com uns 20 a 30 metros de lado – que me dirigiria para passar a noite.

A carrinha chega a um ancoradouro perdido no meio do nada. Uma simples plataforma de cimento. O condutor fica ali para coordenar. O outro grupo entra num barco que os espera mas o meu não está ali. Fico ligeiramente nervoso. O condutor diz que vem a caminho. Só estou ali eu e ele.

Espero e de facto passado uns dez minutos chega o meu anfitrião. Lá vamos, uma breve viagem, talvez uns dez minutos Cruzamo-nos com outros barcos. Mostra-me as capelas da comunidade, pequenos templos também em ilhas flutuantes.

Chegados, indica-me a minha cabana. Na realidade um quarto. Simples, limpo e com uma vista fantástica, debruçado que está sobre a água. A cama é confortável, o silêncio é absoluto. O lugar ideal para descansar.

Vista da minha cama

Exploro detalhadamente a pequena ilha, apetrechada com muito bom gosto para receber as visitas. Há espreguiçadeiras, cantinhos bem arranjados, uma torre de observação. Mas há também um frio cortante, o céu ameaça uma tempestade e a quase 4 mil metros de altura o oxigénio não abunda.

Resta-me fazer aquilo que vim aqui fazer: descansar e relaxar, especialmente depois de um dia tão longo. Mais tarde chegaria um casal de viajantes, com quem partilhei a mesa ao jantar. Boa conversa.

Hoje, vou dormir cansado e confortável. Para ajudar a combater o frio recebo uma inesperada benção: um saco de água quente, daqueles de borracha, como se usava antigamente. Ajudou, e muito, mas as mantas também eram quentinhas.

 

 

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