Dia 14 e 15 de Março de 2020, Sábado e Domingo

O Sábado voltou ao registo sombrio. Céu totalmente cinzento, chuva. Vejo as notícias. Por esse mundo fora o COVID-19 está a tomar conta do juízo humano. Há países a encerrar fronteiras. Na Argentina a tensão é enorme. Não existe nenhum caso para as notícias não falam de outra coisa.

Tenho que decidir: vou voltar a Portugal mais cedo, antecipar em mais de duas semanas a data de regresso. Pesa-me no coração, queria muito visitar o Uruguai e até passar por um pouco do Brasil. Mas com este cenário vou tentar aproveitar a oportunidade que a Azul ofereceu de alterar as datas dos voos e sair logo de Buenos Aires, com escala em São Paulo e depois Lisboa.


Mas melhor pensado do que feito. O website da Azul está quase inoperacional. A minha de suporte desliga a chamada quando a deveria atender e o sistema de chat online faz o mesmo. Fico a manhã toda nesta dança, deitado na cama, como que tocando uma orquestra a dois instrumentos, telemóvel e tablet. E começo a pensar que posso estar em maus lençóis. Passo por grupos no Facebook com dezenas de pessoas a queixar-se do mesmo.

E depois, subitamente, quando menos o espero, o telefone toca e uma voz humana recebe-me. Nunca gostei tanto de ser atendido! A menina brasileira soluciona tudo. Vou ter que pagar alguma coisa, não pela mudança de data, mas por sair de Buenos Aires e não de Porto Alegre. 170 Euros. Nada. Não é nada para a situação em que me encontro. São 13:01 e registo o momento com uma fotografia…

Está feito…

Amanhã estarei a sair daqui. Uma reviravolta rapidíssima, com tudo a ser redefinido em menos de 24 horas. A menina deu-me o crédito e fez de imediato o booking para o voo da manhã para São Paulo, onde terei a escala para Lisboa.

A chuva lá fora salienta a tristeza do momento. Um dia adequado a tudo isto, ao que sinto. Vou dar uma volta, só porque tenho um dia inteiro pela frente. A cidade está deserta. É fim-de-semana e com o tempo horrível que está não anda por aqui ninguém.

Vou até à Plaza de Mayo. Um grupo de soldados fardados à século XIX passa a marchar. Entram no Palácio Rosado. Mesmo ali só há umas quantas pessoas, quase todas turistas estrangeiros.

Vou até à Rua Florida. Aqui sim, há algo que se assemelha com uma multidão. São os turistas de fim-de-semana, muitos brasileiros.

O meu dia acaba com um bife. Na tasca do costume. O último dos muitos bifes com que me deliciei em Buenos Aires.

Durmo e acordo. A minha anfitriã aparece para se despedir de mim. É a primeira vez que a vejo depois de ter chegado. Vou a pé até Puerto Madero, devagar, a respirar aquele ar de Buenos Aires, solenemente, com o peso de uma despedida que me esmaga. Amo esta cidade. Quero muito regressar. Até, quem sabe, viver durante algum tempo.

Compro o bilhete do autocarro expresso para o aeroporto a um funcionário mal-disposto e antipático. Entro e sento-me num lugar. Tranquilamente, olho pela janela. É o adeus e a sensação de final de viagem. Subitamente, toma conta de mim, esta sensação. Está mesmo a acontecer. O mundo está a ficar de pernas para o ar.

A viagem até ao aeroporto é relativamente rápida e o embarque faz-se sem problemas. Só eu e outro estrangeiro respeitamos a distância de segurança e usamos máscara.

Um voo triste até São Paulo. Depois, horas de espera até à partida para Lisboa. Este aeroporto está às moscas. É simplesmente demasiado grande para o tráfego.

Enfim o embarque. Agora será Lisboa. Uma bela viagem transatlântica, que correu muito bem. Escolho estrategicamente um lugar. Apenas duas cadeiras, a minha junto à janela. Claro que mais ninguém quis a outra. Fiquei com o espaço todo para mim. Deu para dormir na horizontal.

Pela manhã, muito cedo, estou a chegar a Lisboa. É o fim. Resta-me chamar um Uber que me leva ao terminal rodoviário de Sete Rios. O condutor põe-me ao corrente da situação epidémica em Portugal. Apesar do céu estar completamente azul, dá-se algo surreal: cai um aguaceiro sobre nós.

E depois, mais quatro horas bizarras para o Algarve, num clima tenso e de medo entre os passageiros e o condutor. É o fim. 78 dias. 

Olá Lisboa

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