O presidente da câmara de Dubrovnik está apostado em mudar a face da sua cidade, devolvendo-a aos residentes sem contudo privar o mundo de a visitar.  Oh meu deus, dai-me um presidente de câmara assim!

Durante décadas, Dubrovnik foi celebrada como a “Pérola do Adriático”, um cartão-postal da Croácia com muralhas medievais intactas, telhados de terracota e vistas deslumbrantes para o mar Adriático. Mas a beleza que atraiu milhões de visitantes também trouxe consigo um problema crónico: o chamado overtourism, ou turismo em excesso. A cidade, transformada em cenário de filmes e séries como Game of Thrones, passou de destino histórico a parque temático vivo, onde turistas chegavam a superar a população local numa proporção alarmante de 27 para 1.

Em 2016, a UNESCO chegou a emitir um alerta: se Dubrovnik não controlasse o fluxo de visitantes, poderia perder o título de Património Mundial. Dois anos depois, o jornal britânico The Telegraph foi ainda mais contundente ao afirmar que “o turismo matou Dubrovnik”. Essa imagem de cidade sufocada pelo turismo de massas levou as autoridades locais a agir.

Do lucro fácil à sustentabilidade

Mato Franković, eleito presidente da câmara em 2017, assumiu uma postura rara no setor: em vez de perseguir mais visitantes e mais receitas, defendeu um modelo que privilegia qualidade em vez de quantidade. Nas suas próprias palavras, “o turismo de massas não é uma vitória para Dubrovnik. No início parece que estamos a ganhar, mas no final perdemos qualidade de vida e de serviço”. Uma análise que parece óbvia mas que contudo parece difícil de compreender pelos políticos cá do burgo e por uma parte significativa do seu eleitorado.

Desde então, Franković tem implementado medidas ousadas, que variam desde limites rígidos de visitantes até mudanças urbanísticas que procuram devolver a cidade aos seus habitantes.

Medidas concretas contra o excesso de visitantes

Uma das decisões mais emblemáticas foi a imposição de um teto máximo de 11.200 pessoas dentro das muralhas históricas. Para ter uma ideia, só os cruzeiros chegavam a despejar cerca de 9.500 passageiros por dia em plena alta temporada, sem contar os que chegavam por via aérea ou terrestre. Hoje, graças a restrições mais duras, esse número raramente ultrapassa os 10.500.

Outra medida foi a redução drástica de navios de cruzeiro: de oito embarcações diárias, passou-se para apenas duas, obrigadas ainda a permanecer no porto por pelo menos oito horas. O objetivo é incentivar um turismo mais calmo, que permita aos visitantes gastar na cidade em vez de apenas correr entre pontos turísticos.

Além disso, a cidade passou a utilizar câmaras de vigilância para monitorizar o fluxo de pessoas e lançou o Dubrovnik Pass, que funciona não só como bilhete integrado para museus e muralhas, mas também como ferramenta de recolha de dados para decisões estratégicas.

A partir do próximo ano, turistas terão de reservar horários específicos para visitar monumentos, com um sistema de “semáforo” que indica os períodos mais congestionados ou mais tranquilos.

Regulamentação da vida urbana

Mas Franković não se limitou ao turismo. Ele percebeu que o maior problema de Dubrovnik não era apenas o número de visitantes, mas o facto de a cidade histórica se ter transformado num espaço quase exclusivo para eles. Muitos moradores abandonaram o centro antigo, trocando as suas casas por rendimentos mais fáceis através de arrendamentos temporários, o que levou à chamada “disneyficação” da cidade.

Para reverter esse quadro, a autarquia começou a comprar edifícios dentro das muralhas para os arrendar a famílias jovens, garantindo que o centro histórico volte a ser habitado. Uma escola foi aberta num antigo palácio, sinal de que se tenta devolver vitalidade social e comunitária a uma cidade que estava a esvaziar-se de residentes permanentes.

Dubrovnik: Gradonacelnik Dubrovnika Mato Frankovic. Photo: Grgo Jelavic/PIXSELL

Simultaneamente, foram introduzidas novas regras e impostos sobre arrendamentos de curta duração, tornando essa prática menos atrativa para proprietários que preferem explorar o turismo. O efeito colateral pode ser um aumento dos preços de hotéis, mas a expectativa é que o equilíbrio social compense essa mudança.

Até detalhes aparentemente pequenos receberam atenção: as famosas mala de rodinhas, cujo barulho ecoa pelas ruas de pedra, foram alvo de regulamentação. Em breve, um serviço de transporte de bagagens substituirá esse ruído constante, melhorando a experiência tanto de visitantes quanto de moradores.

Reações divididas da população

Nem todos aplaudem essas medidas. Para alguns residentes, como Marc van Bloemen, que vive em Dubrovnik desde os anos 1970, o plano não resolve os problemas estruturais. Ele considera que a cidade continua a funcionar como “uma máquina de multibanco”, e teme que a introdução de reservas temporais sirva apenas para encaixar mais visitantes, e não para reduzir o fluxo.

Por outro lado, há quem veja melhorias claras. Marko Milos, guia turístico e morador da cidade velha, afirma que a situação atual é “muito melhor do que em 2017 ou 2018”, destacando que restaurantes e cafés voltaram a encher-se não só de turistas, mas também de habitantes locais.

Naturalmente, a estratégia tem custos. Adquirir imóveis no centro histórico exige grandes investimentos públicos, e a redução de cruzeiros significa menos receita imediata. Mas Franković insiste que o modelo é sustentável a longo prazo: “No início os cidadãos sentiram que estavam a perder rendimento. Hoje percebem que ganham mais, porque os restaurantes estão cheios e os visitantes desfrutam com mais qualidade.”

O impacto internacional

Dubrovnik não está sozinha nesse esforço. Outras cidades europeias enfrentam problemas semelhantes: Veneza começou a cobrar entrada em algumas datas a visitantes que não pernoitam, Barcelona limitou o número de camas em hotéis e Amesterdão restringiu fortemente os arrendamentos de curta duração. Contudo, nenhum desses destinos foi tão longe quanto Dubrovnik na tentativa de repensar radicalmente o equilíbrio entre turismo e vida local.

O exemplo croata já inspira debates sobre modelos de gestão turística. Agências de viagens britânicas, por exemplo, passaram a considerar a sustentabilidade como argumento de venda, embora também encaminhem mais clientes para regiões menos saturadas, como a península da Ístria ou as ilhas vizinhas.

Entre esperança e cautela

É improvável que Dubrovnik volte a ter ruas vazias. A cidade continua a ser uma das joias do Mediterrâneo e ainda atrai atenção internacional, inclusive com novos projetos de filmagens. O objetivo, no entanto, não é afastar turistas, mas criar um equilíbrio que permita que a cidade seja vivida, e não apenas visitada.

O próprio Franković admite que o processo será lento e exigirá paciência. Mas a visão é clara: “Vejo Dubrovnik daqui a três anos como uma cidade viva, com cidadãos felizes e números equilibrados de turistas.”

Se o plano resultar, Dubrovnik poderá tornar-se um modelo global de gestão do turismo sustentável — um raro exemplo de destino que ousou recusar o crescimento a qualquer custo em nome da qualidade de vida da sua comunidade.

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