Acordei inteiro. Ninguém veio ao meu quarto durante a noite, como num momento mais elevado de paranoia cheguei a recear.

Ainda era cedo, a fronteira permaneceria fechada até às 8:00. Matei algum tempo no quarto, preparei a mochila cuidadosamente, o passaporte sempre debaixo de olho, acariciado vezes sem conta, quase que beijado.

Vagueio pelos corredores daquele edifício estranho que é o hotel onde pernoitei. Ao fim do corredor há uma varanda para a rua. Está uma luz estranha. Muito movimento lá fora.

Quando chega a hora saio, determinado. A fronteira não está longe, caminho. Espero que não haja problemas, não há razão para os haver, até porque hoje não é dia de feira, o movimento será mais reduzido.

E de facto tudo se passa normalmente. A saída do Haiti é facílima. Há que pagar uma taxa de saída, nada de especial, já sabia. Não me recordo quanto foi. Do lado dominicano o controle é mais apertado. Várias verificações de documentos, passo pela emigração, mais um pagamento de taxas, também normal. No total não paguei mais de 30 USD para cruzar a fronteira.

Por fim, inspecção de bagagem e mais umas perguntas do costume. E estou de volta! Que alívio. Já cruzei fronteiras complicadas, já saí de países que me causavam uma sensação de opressão, mas não me recordo de uma alegria tão grande ao sair de uma fronteira.

Comparada com o Haiti a República Dominicana parece a Dinamarca, um símbolo de riqueza, prosperidade, ordem, organização, segurança e desenvolvimento.

Saco dinheiro de um Scotia Bank ATM, recarrego o telemóvel com dez dias de internet ilimitada, compro o bilhete para Santiago no escritório da Caribe Tours, onde uma inspecção do departamento de saúde me obriga a mostrar o certificado de vacinação português.

Procuro um lugar para tomar o pequeno-almoço e encontro. Um idílico pequeno-almoço, composto por salada de frutas, yogurte com muesli e um copo de sumo de ananás. Tomo notas no meu Moleskine, descontraio depois dos dias intensos que vivi.

Nesta altura hesito entre passar a noite em Monte Christi, que não fica muito longe e que desde o primeiro dia dos planos desta viagem esteve na lista e seguir directamente para Santiago.

Está quase na hora do autocarro. À entrada um controle da emigração, toda a gente a mostrar documentos. Instalo-me. Serão sete paragens para controlo de documentos. Um exagero, a todos os títulos. Num deles, três haitianos saem do autocarro e são vacinados mesmo ali, à beira da estrada, um em pé. Não sei se foi algo de coercivo ou voluntário, mas a verdade é que para entrarem no país deveriam ter apresentado certificado de vacinação.

Chegamos a Monte Christi e mesmo ali decido que vou prosseguir. Estou cansado, numa fase da viagem em que procuro soluções fáceis, não tanto novas explorações. E o que vi, em fotos e aqui, a passar de autocarro, não me cativou especialmente.

A viagem parece-me mais curta e confortável do que a que fiz no caminho inverso. Chegamos a Santiago e saio logo na primeira das estações, chamo um Uber e logo estou à porta do prédio onde fica o apartamento que reservei para passar a noite.

Um verdadeiro luxo a um preço muito bom. Wow. Um apartamento inteiro, com AC moderno, uma cozinha, tudo impecável, a cheirar a novo, padrões europeus.

Ainda era de dia. Não tinha nenhum objectivo aqui em Santiago. Estava de passagem. Saí para a rua, fui direitinho ao mesmo local onde uns dias antes tinha bebido uma maravilhosa cerveja gelada e fiz o mesmo. Delicioso. A cerveja e o local. A observação das pessoas, a música, a animação.

A tarde chegava ao fim, ia sendo substituída pela noite. Mas eu queria comer. Espreitei uma Pizza Hut mas os preços eram surreais, penso que mais caro do que em Portugal. Fiz uma pesquisa rápida no telemóvel descobri uma pizzaria bem cotada a uns 800 metros.

Fui lá. A pizzaria era uma banca de rua. Encomendei. Sentei-me numa cadeirinha de plástico à espera, vendo o senhor preparar o meu jantar. Custou 6 Euros, mas dava para uma pessoa comer três ou quatro vezes. Saí de lá com a caixa debaixo do braço e a informação que mesmo ali a seguir havia uma loja onde poderia comprar uma cerveja para empurrar o petisco.

Comprei-a, com atendimento personalizado que me fez sentir como se estivesse a comprar uma joia. Que marca desejava. De que tamanho. A que temperatura. Feitas as escolhas, o colaborador leva a garrafa delicadamente até à caixa onde finalizo a aquisição.

Agora é caminhar depressa até casa. Para a cerveja não aquecer. Para a pizza não arrefecer. E para não ser assaltado. Por esta altura já  tinha ouvido por duas vezes a palavra “ladrones” na boca de pessoas que conversavam nas ruas.

E pronto. Um saboroso serão, muito descansado, muito confortável.

 

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