26 de Novembro

Logo à tarde o carro será devolvido. Causa-me alguma ansiedade, porque não faço a mais pálida ideia de como encontrar o local e o Nael não foi muito conclusivo quando disse que “devia” estar de volta a tempo de ir lá comigo. A turma do “turismo” vai dar uma volta de estudos pelos castelos do deserto oriental. Alto lá! Castelos do deserto oriental!? Mas esse é exactamente o nosso plano para este último dia com viatura própria! Quem sabe nos possamos encontrar algures a meio do trajecto?

Acordar cedo, claro. Não só para aproveitar o dia como para evitar o trânsito de Amman, apesar de ser fim-de-semana. O GPS não me deixa ficar mal. Num instante estamos a rodar nas vias largas, aparentadas de auto-estrada, que deixam a capital jordana na direcção que nos convém. O tempo está magnífico, temperatura amena, sol radiante. E pouca gente se vê nas estradas. Estamos a seguir uma rota histórica. É o início da “estrada da morte”, a única via de ligação do Iraque ao mundo durante a primeira guerra do Golfo. Mais à frente, já depois de passada a fronteira, o tráfego de camiões que procurava abastecer o país de Saddam Hussein era atacado pela força aérea dos norte-americanos e seus aliados, causando enorme mortandade nos corajosos condutores.

O plano para hoje é visitar os chamados “castelos do deserto”. Quatro deles dispõem-se num conveniente círculo que providencia um excelente passeio de dia inteiro: Hallabat, Azraq, Amra, Harraneh. Na realidade, de castelo têm pouco. Tratam-se sobretudo de edíficios fortificados cuja função primordial era oferecer guarida aos peregrinos que se dirigiam para Meca. Já depois de sair de Amman apercebo-me de algo chocante! A câmara ficou em casa! Desespero! Voltar para trás? Não, decididamente não quero fazer aqueles quilómetros em triplicado. A compacta terá que servir para o dia, e levo algum tempo a lidar com a “azia” causada pelo deslize.

Chegámos ao primeiro ao mesmo tempo que o seu zelador, e se não nos tivéssemos demorado no carro a fazer pequenas coisas teríamos conseguido escapar às suas explicações e à subsequente gorjeta, que ele aceita sem me deixar perceber se achou pouco ou muito (detesto estas situações!). Ali sopra um vento gélido, e não existem mais visitantes. Em redor já só se vê deserto. A fortaleza é visitada rapidamente, são tiradas as fotografias de ocasião. À saída perguntamos ao incontornável polícia dos turistas que se enconra no seu posto como chegar à casa de banhos que sei existir ali nas imediações. Hamman as-Srah é o seu nome. É simples, diz ele. E dá as indicações. De facto esta casa de banhos, localizada a apenas 2 km da fortaleza, foi encontrada sem problemas. À beira da estrada, está actualmente em recuperação, mas como é dia santo não está ninguém por lá. O portão está fechado, mas não trancado . Entramos e exploramos. É uma coisa pequena que se vê num instante. Receio que a renovação a que está a ser sujeita seja demasiado artifiial. Perderá parte do seu carácter quando os trabalhos estiveram concluídos.



O próximo troço é o mais longo deste passeio. São cerca de 40 km até chegar a Qasr Azraq. Este tem um aspecto bem diferente do anterior e dos que seguiriam. É construído em pedra escuro e dá-se ares de castelo. Azraq é na realidade um oásis em redor do qual se desenvolveu uma pequena cidade. É uma surpresa depois de dezenas de quilómetros a rolar no deserto. O passeio está-me a agradar muito. Depois do maravilhoso dia passado no “bonitinho” Wadi Rum, tenho agora contacto com o verdadeiro deserto, objectivamente desinteressante, mas ao mesmo tempo fascinante para um europeu, quer pela paisagem em si quer pelo “background” histórico.  De tempos a tempo passamos por enormes cartazes apontado as fronteiras: Iraque, Arábia Saudia. Revejo as imagens daqueles telejornais distantes, dos enviados especiais da RTP, a fazerem directos a partir destas paragens, alguns deles tentando infiltrar-se no Iraque através da vasta fornteira, mais para diante. Em Azraq pagamos o bilhete. É suposto ser válido para os quatro “castelos” do percurso, mas a verdade é que apenas neste alguém se preocupa com esse preciosismo. No primeiro, foi à base de gorjeta; no próximo, por circunstâncias que já perceberá, a questão não se colocou, e no último não havia qualquer controle.  Seja como for, é uma ninharia, talvez 1 Eur por todos. Há um guia que nos propõe uma visita guiada, que, claro, declino. Mas fico impressionado com a qualidade do seu inglês, quase nativo. Digo-lhe isso mesmo, e tenho a certeza que lhe dei tanta felicidade como se o tivesse contractado para o serviço que me propunha. De resto, gostei mais deste “castelo”, tão diferente do anterior, com mais alma, diferente, complexo, com muito para ver. Dele, ficam-me na memória as portas de pedra maciça, cuja funcionamento me intriga. Como é que um peso daqueles pode ser suspenso e rodado é um mistério que nunca compreenderei.


Deixamos Azraq para trás, e depois de diversos contactos telefónicos com o Yazed já sabemos que iremos encontrar os nossos amigos na próxima paragem, Qusayr Amra, o “castelo” mais popular do circuito, aquele onde muita gente, sem tempo ou possibilidade, vai directo sem passar pelos outros. E isso nota-se logo à chegada. Nas paragens anteriores vimos pouca ou nenhuma gente, mas ali o parque de estacionamento estava cheio e uma multidão cirandava por ali. Avistámos o grupo de estudantes para guias a deixar um edíficio contíguo à recepção e o Yazed, entre eles, topou-nos logo. Foi uma festa. Envolvidos por eles entrámos por ali adentro como se fôssemos, também nós, estudantes. Ali estavam o Nael e o Farid. Sensção estranha, encontrar pessoas de quem temos estado próximos, assim, num ponto distante, quase espontâneamente. O ponto forte de Qusayr Amra são os frescos, de facto impressionantes pelo que vi em livros e na Internet. Mas não no local. Havia tanta gente que me deu uma reacção alergénica aos turistas e pirei-me dali para fora sem de facto ver nada mais do que o exterior do edíficio, que, de resto, não é grande espingarda. Foi o tempo de me despedir dos meus amigos e dos colegas deles que falavam portugês e zarpar a toda a velocidade.

A volta estava quase no fim e ainda havia tempo. O último “castelo” foi o meu favorito. A fazer lembrar o forte de ontem, o Qash Harreneh, apesar do seu aspecto bélico, foi acima de tudo uma pousada de deserto, um hotel à beira da estrada para os viajantes. No dia em que o visitei não se via  ninguém. O centro de visitantes estava activo, mas os seus ocupantes estavam em parte incerta. Parámos ao carro ao lado de um outro e prosseguimos a pé. São cerca de 200 ou 300 metros, e a aproximação impressiona, à medida que o edíficio ganha volume e detalhe. O portão entreaberto deixa antever um vasto páteo, onde se chega depois de contornar aquilo que seria uma portaria. Lá dentro encontrava-se um casal de turistas e um jordano, talvez seu guia privado, talvez funcionário do centro de visitantes. Neste “castelo” havia muito para explorar, até porque são dois pisos, sem contar com um último nível, infelizmente interdito às visitas por questões de segurança.




Dali, foi sempre a andar até Amman, ou melhor, até aos seus arredores. E ainda bem que vinha adiantado, porque esbarrei num trânsito quase intransponível ainda bem fora da cidade. Acho que passei duas horas num dos maiores engarrafamentos onde já estive, ao nível da travessia da ponte 25 de Abril em dias de chuva e acidentes. Foi em pára arranca, mais pára do que arranca desde ali até ao centro de Amman, que é como quem diz, até casa.  Mas a coisa acabou por correr bem. Não precisava propriamente daquele tempo, chegámos a boa hora, largámos o carro e desciamos a pé, pela avenida que nos levaria até ao centro quando ouvimos assobiar. Era o bom do Yazed que fazia o mesmo percurso mas de táxi. Ao ver-nos mandou parar e deu-nos uma boleia. Se ele já andava por ali também o Nael não tardaria e tudo se compôs. Uma bebida no Limana e à hora adequada fomos todos largar a carripana, aquele pedaço de lixo que tanta chatice e preocupação causou. Gastou rios de gasolina sem razão (ainda bem que o combustível custava 0,6’0 Eu), tive que travar o carro com pedras a toda a hora porque o travão de mão era inoperativo, e passei os dias a massajar os bornos da bateria, sem falar em tudo o que não funcionava ou estava danificado no seu interior.

Último serão no Médio Oriente, muito sentido, muito emocional. Despedidas, abraços, quase lágrimas. Por esta altura estávamos com o Mateus, um couchsurfer português que encontrámos por acaso em casa do Nael. Nosso companheiro de “hospedaria”, portanto, e com quem estabeleci uma boa ligação. Estava (e está, quando escrevo estas linhas) empenhado numa travessia louca, de Cabo a Cabo (ver blog aqui)… do Cabo do Norte até à Cidade do Cabo, sempre que possível de comboio. Na Limana, onde, claro, fizemos questão de passar esta última noite, fomos acarinhados por todo o “staff”. Na hora do adeus, abraços e mais emoção.

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