Finalmente sinto-me melhor, melhor a ponto de me atrever a sair, fazer qualquer coisa, aproveitar a oportunidade. O destino escolhido é o Museu de História Nacional, ali próximo mas não tão perto que dispense um Uber, especialmente na minha condição de convalescente.

A pé seriam uns três quilómetros. De carro, bastante mais, por causa dos sentidos do trânsito. É mais uma das atracções que se encontram no Bosque de Chapultepec, uma área verde no coração da cidade que atrai uma considerável energia positiva. Os locais acorrem, especialmente durante o fim-de-semana, enchendo o bosque de piqueniques, de festas, de calor humano.

O Uber deixa-nos à entrada do Bosque, para minha desilusão. Em recuperação, esperava ir de boleia mesmo até à entrada do Castelo, porque no mapa havia estrada até lá. Mas no local percebo a realidade: todo o bosque está interdito a trânsito automóvel e faz sentido, as pessoas enchem todos os espaços.


O ambiente está fantástico. Aquela primeira impressão negra da Cidade do México, adquirida na chegada, esvai-se rapidamente nesta manhã e não voltará nunca. Passei dias felizes nesta metropolis, guardo doces memórias e espero voltar um dia, desafiando a máxima de um qualquer escrito de viagens cujo nome não me ocorre: “Não voltes nunca a um local onde foste feliz”. O sentido, já se vê, é que o tempo não pára, tudo muda e a mudança colide com as memórias que guardamos. A decepção e a frustração da incapacidade de recriar os momentos que adorámos são ameaças consideráveis.

Bilhetes para o Castelo comprados, segue-se a parte final da caminhada, pela colina acima, em espiral, até chegar ao segundo posto de controle onde o conteúdo das mochilas é inspecionado.

E agora, é explorar. Na primeira parte termos uma exposição temporária a cargo da Marinha Mexicana. Suspeito que está relacionada com o encerramento do Museu da Marinha, em Vera Cruz. Boa exposição, tecnicamente falando, mas não especialmente interessante.

O  melhor veio depois. A sala dos coches, as salas onde viveu o Imperador Maximiliano e a sua esposa, personagens românticas com um percurso dramático. Se não conhece a sua história, aconselho a leitura. Reconheço que gosto sempre destas exposições, permitem-me viajar no tempo, imaginar, sonhar. Mas o que vi aqui foi especialmente bom.

Os espaços exteriores estão bem cuidados, o sol brilha, as flores enchem de cor os jardins do palácio que já foi residência imperial, academia militar e, desde 1939, museu.

Com uma renovada boa disposição sinto que a visita está a acabar, mas não sem uma surpresa final: no espaço exterior prepara-se um evento, parece ser aberto ao público, há cadeiras. Sentamo-nos e pouco depois somos brindados com um pequeno concerto de música clássica, obras para violino, que se constitui como a tal cereja no cimo do bolo que foi esta visita.

Já cansado, ainda um pouco enfraquecido pelos dias em que estive doente, tenho ainda energia para uma incursão ao Jardim Botânico, também no Bosque de Chapultepec. Não vale o tempo gasto. Sinto-o como simplesmente um espaço mais bem tratado do bosque. Há uma zona de cactos, uma estufa. Não está vedado, funde-se na área geral de Chapultepec.

Ali perto há a zona de comidas, um espaço super animado onde se come bem, mergulhado na alma da cidade. Adorei comer ali, arrisquei, se calhar não devia meter-me nestas aventuras depois da crise digestiva dos últimos dias, mas não consegui resistir e correu bem.

A minha sandes “a Pastor”, ou Torta a Pastor, como se chama aqui, estava deliciosa. Não ao nível das que comi em Villahermosa, mas mesmo assim uma maravilha. E gostei especialmente do ambiente popular em meu redor, das vibrações de alegria e boa disposição.

Agora sim, tinha levado a minha dose de agitação para um dia. Quero regressar e meter-me na cama, preciso de recuperar do esforço matinal. Este, seria o último dia com limitações. Daqui para a frente iria apreciar a viagem como até então não tinha acontecido. E a Cidade do México tem tanto para oferecer. Os mitos de violência e pobreza são mesmo isso, mitos. Claro que haverá crime, claro que existem vastas áreas miseráveis nesta enorme mancha urbana. Mas para quem visita e fica no centro – e falo de um enorme centro alargado – adivinham-se dias de feliz exploração sem problemas.

Chegado ao hotel, uma conversa com o pessoal: queríamos ficar mais tempo mas para isso acontecer teríamos que ter um quarto diferente. Estava farto do cheiro a comida pela manhã, que vinha da cafetaria, e do barulho das camareiras que tinham a sua base mesmo em frente à minha porta. A exigência foi bem recebida e o simpático senhor mostrou-nos duas hipóteses, no último andar, uma espécie de recanto perdido do hotel onde no tempo que ainda por lá passámos raramente chegou alguém.

Ficámos então com um quarto fabuloso, enorme, com uma área de estar, luz natural e, apesar de chegarem alguns ruídos da rua, muito mais sossegado. Nada faltava: um frigorífico, um duche gigante, com bela pressão e água muito quentinha e até um vestiário espaçoso.

O dia não tinha chegado ao fim. Depois de horas a descansar, tinha preparado para o serão uma segunda incursão: Praça Garibaldi. Local de encontro de todos os mariachis da Cidade do México, espaço festivo, fervilhante, animado nos serões.

Mais um Uber que nos deixa no centro da festa. Foi um serão agradável, ligeiramente decepcionante mas mesmo assim muito interessante. Como seria de esperar, no espaço da praça encontram-se alguns bandos de mariachis tocando a sua música. Há muita gente por ali, não demasiada, talvez até um pouco menos do que o ideal, mas mesmo assim, boa onda.

Andamos por ali, para trás e para a frente, aproximando-nos dos sons. Um casal de meia idade paga para uma serenata, com cantoria e instrumentos. Outros artistas vão chegando, muitos andam por ali em silêncio em busca de clientes. Penso que é comum os organizadores de uma festa irem até à Praça Garibaldi para contratar espontaneamente alguns músicos.

Vamos por uma rua que sai da praça, interessante, com bares e restaurantes. Estou fascinado com o ambiente. Verdade, esperava um pouco mais de festa, mas mesmo assim, foi uma excelente forma de fechar o primeiro dia em que saí do quarto para explorar um pouco da cidade.

No regresso, um conduto de Uber com uma alegria contagiante, um jovem que fala sem parar, sempre a rir, um poço sem fundo de boa disposição que me deixa à porta do meu querido Hotel Viena. Para uma noite bem dormida.

 

 

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