29 de Setembro de 2024
Houve quem ficasse fascinado pela cratera ardente, pelos “portões do Inferno” como também é conhecida. Alguns elementos do grupo foram rever as chamas a meio da noite, outros acordaram ainda com a escuridão da madrugada para comtemplar o amanhecer à beira do buraco. Eu não. Dormi até à hora de acordar para o pequeno-almoço, tratei de comer e aprontei-me para partir.
Foi cedo que a coluna saiu para a estrada. Teríamos um longo dia pela frente, com centenas de quilómetros a rolar.
Há algo de mágico em ser transportado num veículo todo o terreno conduzido por um profissional. Uma vez estabelecida a confiança e ganho o à vontade, tem-se também o espaço mental para apreciar a jornada. E no Turquemenistão isto significa várias coisas….
Primeiro, a velocidade com que é vencida a distância; num terreno onde uma pessoa normal passaria a uns 20 km/h, o Ahmed e todos os outros cinco condutores levam-mos com segurança a uns 80 km/h, evitando buracos com mestria, trabalhando a caixa de velocidades para vencer zonas arenosas, lendo o terreno e agindo em conformidade.
Segundo, a paisagem, que vai mudando, vencendo-se surpreendentemente a monotonia do deserto; aqui, um camelo solitário que mordisca umas quaisquer ervas secas, acolá um casario, traços da vida local, tão diferente do cenário de luxo de Ashgabat. A passagem de um curso de água seco, uma formação rochosa colorida que surge de forma inesperada, uma carripana da era de Khrushchev que passa por nós, e mais um grupo de camelos, grupos grandes, com muitos animais, como nunca tinha visto.
Terceiro, a facilidade a roçar o milagre com que se vencem distâncias na ordem das centenas de quilómetros numa só manhã ou numa só tarde, não 200 ou 300 km em auto-estrada ou mesmo em piso alcatroado, mas uma distância com troços que por vezes parece não existir.
E foi assim que num instante regressámos a Ashgabat. Ainda da parte da manhã visitámos a monumental mesquita Türkmenbasy Ruhy assim como o mausoléu do primeiro presidente do Turquemenistão independente, que lhe está adjacente.
Depois de mais um almoço desesperantemente lento, seguiu-se uma tarde interessante. Parámos em Kow-Ata, um local sagrado, de peregrinação, e também a localização de uma gruta natural que contém um lago, que funciona como piscina pública. A entrada na caverna estava incluída na tour mas decidi não entrar, não gosto muito de lugares confinados, uma ligeira claustrofobia. Ainda para mais há vapores de enxofre que se soltam da água quente do lago, algo a que os locais são indiferentes mas que contribuiu para me afastar. Das pessoas do grupo houve quem se sentisse ligeiramente mal por causa desses gases.
Fiquei no exterior, comprei uma Coca-Cola e sentei-me com outros elementos que preferiram manter-se cá fora. A austríaca fez logo amizades com uns senhores que jogavam às cartas, mesmo sem qualquer traço de língua comum. Soube bem, aquele bocadinho, a descansar, a conversar com o pessoal e a observar os grupos que ali passavam uma tarde de lazer.
Regressámos à estrada Ashgabat – Turkmenbashi, a mais importante do país. Observei as cenas da vida quotidiana que desfilavam pela janela. Velhos camiões soviéticos carregados de fruta para venda directa a quem quer que queira parar, trabalhos nos campos, monumentos socialistas de outra era, mulheres que passam vestidas com as roupas tradicionais.
Em determinado ponto deixamos a estrada principal, rumamos a Nokhur. Trata-se de uma aldeia algo remota, integrada numa paisagem de montanha. Diz-nos o guia que por estar tão afastada nunca foi muito marcada nem pela gestão socialista da época Soviética nem pelo governo do Turquemenistão independente, manendo por isso muita tradição e uma atmosfera de aldeia única.
Além disso existe o cemitério, caracterizado pela abundante decoração com cornos de cabras de montanha, que adornam basicamente cada uma das milhares de campas que ali existem.
Visitamos então o cemitério, apenas do lado de fora, por respeito, mas o suficiente para admirar aquele espaço fascinante. Depois regressamos à aldeia onde paramos um pouco. Não me senti à vontade. Como que um corpo estranho não especialmente bem aceite naquele organismo que é Nokhur.
Houve uma prova de melancia mas não para mim, que me afastei um pouco para observar. Acabei por comprar algumas romãs e foi com uma estranha sensação de alívio que vi chegar a hora de voltar para os carros e deixar Nokhur para trás. É de facto uma aldeia única, interessante, como que parada no tempo.
E assim basicamente se encerrou o dia. Com a chegada da noite parámos num hotel de beira de estrada junto a uma pequena cidade chamada Gyzylarbat, já mais perto de Turkmenbashi. Penso que o hotel pertenceria à família de um dos condutores pois vi-o dar uma mãozinha na organização do jantar. Saboroso, simples e intimista, finalmente uma refeição agradável. As pessoas vão-se habituando umas às outras, as conversas fluem mais naturalmente. Foi uma boa noite.