1 de Outubro de 2024

O hotel de Turkmenbashi terá sido o melhor em que ficámos nesta viagem mas foi também o pior pequeno-almoço de todos. Um a um os elementos do grupo tomaram a sua refeição da manhã. Notava-se um certo cansaço nas expressões faciais. Natural, o desgaste tem sido considerável, com muitos quilómetros rodados em terrenos difíceis e estradas de piso em mau-estado.

Hoje teríamos mais um longo dia pela frente e seria também a última vez que seríamos transportados nas viaturas que nos acompanharam nestes dias na estrada. A noite será passada no comboio nocturno para Ashgabat. A composição parte de Turkmenbashi mas iremos embarcar mais à frente, para aproveitar o dia, até porque o primeiro trecho ferroviário é lento.

Digo já à partida: este foi um dos melhores dias da viagem. Talvez o melhor, para mim.

Deixamos Turkmenbashi para trás, com uma breve paragem à beira da estrada para observar a cidade à distância, uma vista geral do casario e do porto. Depois prosseguimos, com uma bela estrada durante uma parte da viagem. Até que a deixamos, viramos à esquerda, para norte, e aí as coisas mudam.

O piso é pobre, trata-se de uma estrada militar, construído pelo Exército Vermelho para permitir a passagem de camiões que transportavam minério do interior desértico do país. Raros são os carros que passam por nós. Algumas motas, um ou outro camião.

Uma breve paragem para esticar as pernas e apreciar um pequeno pedaço de “verdadeiro” deserto, com dunas de areia dourada, uma visão rara no meio da paisagem pedregosa. E depois a visita a um pequeno lugar. São duas ou três habitações. Pessoas cujos avós e talvez os pais eram nómadas e que se fixaram de forma coerciva, forçados a isso pelo regime Soviético.

Há uma cerca com um grupo de camelos jovens. Veículos meio abandonados, material soviético que morreu de velho. Sobrevive um carro com ares de relíquia e um par de motas, essenciais para as deslocações da família.

A troco de uma pequena gratificação os elementos do grupo são convidados a visitar o interior da casa. A hospitalidade é grande, sincera ou movida pelos Manats, não sei. Escolhi ficar no exterior, achei uma situação degradante, não me senti confortável para entrar na privacidade das pessoas, no seu espaço doméstico. Mas adorei esta paragem.

No regresso passaríamos por aqui mas para uma outra paragem, nas lojas que existem ali próximo.

Continuamos a rolar em direcção a Yangykala, uma formação geológica impressionante, cujo tom começa a ser dado muitos quilómetros antes. Toda esta zona foi num passado distante o leito de um mar. Agora a seco brinda-nos com rochas de cores variadas, trabalhadas pela erosão sofrida ao longo de quantidades inimagináveis de anos.

Nas proximidades rola outro comboio de veículos semelhante ao nosso. É o grupo da Taiga Tours, outra empresa que organiza viagens no país. Há um ajuste natural de ambas as partes para evitar partilhar o mesmo espaço.

Quando eles vêm para cá, chegamos. Sinto que os guias fizeram um compasso de espera.

E de repente ali está, o grandioso canyon de Yangykala. É uma visão fabulosa, inesquecível. E eu que não dava nada por isto. Ao ler o programa guardei a ideia que era uma visita para encher o dia. Afinal estava ali um dos pontos altos da viagem.

É difícil encontrar palavras para descrever a grandiosidade do cenário. Nós, lá em cima, e aos nossos pés uma planície desértica pintada de cores por estas formações geológicas com dezenas de milhares de anos.

Pensava que não haveria um climax mais adequado para o dia, para a viagem mesmo, quando os guias nos apressam para os carros. Razão? O melhor não é ali, foi apenas uma pequena paragem para fotografias. E tinham razão. Um par de quilómetros à frente é mesmo o grande “wow”.

Do lado direito, até então escondida da vista, está a peça fundamental de Yangykala. Um bloco rasgado pela erosão com um planalto inacessível, em forma de sabonete mas com um tamanho incrível. Lá em baixo até parece mais pequeno. Mas é enorme. Ficamos naquele lugar fenomenal quanto tempo quanto podemos. Dou uns tragos na garrafa de brandy local que comprei por 2 Euros num supermercado.

Agora falta a longa jornada para Balkanabat, onde apanharemos o comboio para Ashgabat. Mais 170 km sempre a abrir pelo meio do deserto e por estradas inimagináveis.

Pelo caminho ainda houve tempo para uma breve paragem. Visitamos as duas lojas de beira de estrada que funcionam como supermercados para a população local neste sítio tão ermo como ermo pode ser um sítio. O burlesco da situação é que em toda aquela extensão as lojas se encontram literalmente parede com parede. É um comércio parado no tempo, apenas levemente tocado pela globalização que se anuncia pelas garrafas de Coca-Cola e os chocolates Mars, Snikers, KitKat. Ali encontra-se de tudo, como antigamente nas velhinhas vendas do nosso Alentejo. Simpatia é que nem por isso. Se vão ao Turquemenistão em busca de grande hospitalidade e gente amigável, não vão. Claro que há excepções, mas não é de facto o povo mais simpático deste mundo.

No caminho passamos por um camião. À ida tinha reparado que se encontrava na beira da estrada com um pneu estilhaçado, pedaços de borracha negra espalhados por dezenas de metros. Agora vejo-o ao longe, a rolar. Parece que o condutor consegui mudar o pneu. Mas não. Simplesmente dirige-se onde tinha que se dirigir, sem pneu, a velocidade de caracol.

Chegamos à estação, hora de passar ao Ahmed um envelope com a nossa gratificação. Tenho pena dele, sei que um dos seus colegas, dificilmente melhor que este profissional exemplar, vai receber um envelope bem mais recheado, considerando que vi a nota de USD 100 que um elemento do grupo pôs na colecta para o neutro condutor do autocarro de Ashgabat.

Uma pequena espera. Os agentes da autoridade interessam-se muito por nós mas essa atenção não nos chega à pele. O nosso guia local trata de tudo, papelada e conversa e fica a coisa desbloqueada.

A Young Pioneer Tours excedeu-se (ou talvez seja um imperativo imposto pelas autoridades): o grupo de 17 tem um vagão inteiro por conta. No compartimento habitualmente para quatro fico apenas com o Gustavo. Já passei noites em comboios de vários países, eu sei lá, Ucrânia, Vietname, Tailândia, Bielorrússia, Polónia, Myanmar, China, Coreia do Norte, Irão… mas tenho a certeza que foi no Turquemenistão que passei a melhor noite de repouso ferroviário. Foi pegar no sono e acordar no dia seguinte. Como se fosse na minga caminha.

Antes, um serão animado. O grupo sente que a viagem está a chegar ao fim, estabeleceram-se laços precários de uma amizade passageira, caíram inibições sociais, as pessoas falam mais, o álcool solta as línguas.

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