Dia 22 de Janeiro de 2020, Quarta-feira

Bem cedo, logo depois do pequeno-almoço, o pessoal da casa chama-nos um táxi para nos levar até à estação de autocarros. Poderíamos caminhar, mas o preço é baixo e poupamos acima de tudo tempo num dia que se antevê bem preenchido.

A caminho de Alausí num dia cinzento. Este era um destino que estava longe de ser uma prioridade e que esteve para não acontecer. Alausí é conhecido pelo seu Tren a las Nubes, um troço histórico de caminhos de ferro que hoje é explorado apenas com fins turísticos. Um par de vezes por dia uma pequena composição cheia de gringos que pagaram uma fortuna pelo bilhete sai da estação de Alausí. Pouco tempo depois chega a uma outra estação, onde toda a gente sai, come e vê um espectáculo de dança. E depois voltam. Andei tentado a isto pela espectacularidade da paisagem. Mas depois descobri que existe um trilho para caminhar que oferece as mesmas vistas, faz bem à saúde, mantinha-me afastado de turistas e era de graça. Melhor.

A viagem não é longa. Alausí fica relativamente perto de Riobamba. Seguimos para sul, em conformidade com o plano geral de atingir a fronteira com o Peru.

Chegamos ao centro da localidade. Medo. Alausí deixa uma péssima primeira impressão. Vista de longe quase parece um bairro de lata, com habitações construídas de improviso, mal acabadas, decadentes. Tudo isto temperado com um cinzento esmagador e um céu que ameaça chuva a qualquer momento.

Agora há que encontrar o hostel onde temos quarto marcado. O GPS, por alguma razão desconhecida, recusa-se a cooperar. Manda-me para o lado oposto, depois para trás. Está todo baralhado, como se um enorme campo magnético cobrisse a cidade. Ou aldeia.

Há muita gente, cafés, restaurantes, tascas. Lojas. Mais gente. Pitoresco. Há cholitas com as suas roupas coloridas. Lá vamos na direcção certa. Chegamos à estação e lá está um comboio turístico pronto a partir, os gringos a embarcar, todos bem ataviados, um público da meia idade para cima. Fico por ali, a observar, a tirar umas fotos, sentindo-me a um mundo de distante daqueles outros turistas. A locomotiva manobra. Espero a qualquer momento ouvir o clássico All Aboard!, mas só se escuta o derradeiro apito antes da partida.

Agora é encontrar o hostel. Ainda mais umas voltas de sentido dúbio antes de chegar mas lá estamos. O quarto ainda não está pronto, é demasiado cedo. Deixamos as mochilas e saímos.


A primeira paragem é na Ponte Negra, uma interessante ponte ferroviária ali mesmo em cima. A localização do hostel é excelente. Quase tudo foi excelente lá. Só mesmo algum barulho nocturno seria dispensável, mas nada de especial. Fica aqui a ligação para o estabelecimento, que vai com recomendação Cruzamundos: Community Hostel Alausi. O proprietário é um senhor local de porte respeitável que viveu nos EUA, e então dá-se uma coisa rara no Equador: fala inglês com facilidade.

Voltando à ponte, fica ao topo da rua e proporciona umas belas fotos. Ali próximo há também uma série de murais interessantes.

E agora, vamos ao tal passeio. Nem eu imagina que seria tão fácil e ao mesmo tempo tão espectacular. Sem indicações precisas suspeitava que não chegaríamos ao fim. E afinal, foi caminhar e usufruir de um prazer sem fim, de descoberta e de absorção de toda uma paisagem fascinante.

Primeiro pela povoação, ao lado dos carris do comboio. Depois, vamos saindo, passando por um espaço de transição com um perfume rural. Cruza-se a linha e acaba a estrada, que tinha aos poucos passado de asfalto para terra batida e depois para algo dificilmente transitável feito de lama.

Agora é só mesmo um estreito trilho com largura para uma pessoa. Entre arbustos e matos baixos. Trepar montanha, por vezes por troços bem íngremes. Às tantas vê-se a linha de comboio, já lá muito em baixo, junto a um riacho que corre no vale.

Sinto-me uma cabra montesa por aqui. As montanhas são impressionantes pelo seu volume majestoso. O trilho prossegue e aos poucos algo muda: começam a surgir traços de presença humana, pequenas hortas, uma mula ao longe. Vejo gente que trabalha, cava um terreno.

Essas actividades acentuam-se vejo uma aldeia a uma certa distância. Daqui há uma opção a fazer: ou vamos até esse povoado e procuramos boleia para Alausí, como diz num guia que encontrei, ou voltamos pelo mesmo caminho. Decidimos pela segunda hipótese. Pelo menos sabemos com o que contar.

Mas o passeio não acabou. Há que avançar um pouco mais. Neste momento tenho um pequeno drama. O meu telemóvel parece ter “morrido”. E nesta altura da minha vida de viajante estou muito dependente dele. Para além de tudo relacionado com Internet é a minha câmara fotográfica e GPS. Mais tarde descobrirei que por alguma razão a luminosidade passou para o mínimo tornando o screen virtualmente invisível. Tudo escuro. Isto impediu-me de gozar até ao fim o passeio, mas ainda consegui aperceber-me que as vistas eram fabulosas daquela parte final.

No regresso vimos o comboio turístico que regressava, cruzámo-nos com um senhor que regressava das lides do campo e vimos uma caravana de mulas, ao longe, guiadas por um agricultor.

Já na povoação exploramos um pouco melhor as suas ruas e descobrimos uma face oculta: a zona mais histórica não é aquela que já conhecemos mas sim a que sobe a encosta. Ali vimos casas antigas, detalhes pitorescos. Alausí não pára de surpreender pela positiva. Afinal foi muito boa ideia termos vindo até aqui.

Há uma praça com um jardim muito bem arranjado onde se encontra a principal igreja da cidade. Estranhamente pouca gente se encontra ali. Umas meninas brincam, sob o olhar atento dos pais. Um senhor come uma laranja sentado num banco de jardim.

Lá em cima o céu mostra algum azul. Um sorriso de esperança que não resultará em nada. Os dias continuarão cinzentos.

Um casal de camponeses vestidos de forma tradicional passa à minha frente. Comemos um gelado muito local comprado numa mercearia. Passamos junto ao mercado que a esta hora já não tem vida nenhuma.

Vimos mais murais, alusivos ao comboio, esse elemento de tanta importância para Alausí. Há alguns alojamentos que me parecem muito finos. Já sei de onde saíram os turistas que iam no comboio.

Voltamos para a zona da cidade onde chegámos e subimos ao morro onde se encontra uma escultura gigante de uma figura religiosa. Encontramos ali um casal de portugueses, mas só mais tarde, no hostel onde também estão a ficar, é que conversamos um pouco.

O cansaço domina, ficamos um bocado no hostel. Escrevo um pouco, tomo um chá. A noite cai e vai sendo horas de pensar no jantar. Vamos a um restaurante ali próximo, de aspecto turístico mas onde apenas três estrangeiros, talvez alemães, tomam a sua refeição. A comida não estava especialmente boa nem má. Foi um simples jantar.

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