23 de Janeiro de 2023

Acordar junto à praia de Bogmalo, pegar na mochila nem desfeita da véspera, e andar até à entrada do areal. Não demorou muito para sentir pela primeira vez aquela sensação de erro. Sim, foi um erro voltar a um sítio onde fui feliz. Os primeiros sinais são dados a uns meros 100 metros da casa de hóspedes. Onde em 2019 tinha encontrado uma atmosférica casa de estilo colonial, vazia mas não em ruínas, frente a uma antiga cruz cristã, vejo agora as mesmas paredes mas de uma vivenda renovada, sem alma, uma mera habitação para um qualquer indiano abastado.

Na praia as coisas mudaram também. Muita gente, faltava a deliciosa “porridge” que me tinha encantado no restaurante onde os preços subiram e a qualidade desceu. Esperamos pelo autocarro para Vasco da Gama, onde se muda para o transporte para Panjim. O pequeno-almoço é tomado aí, num estabelecimento com toques hipster onde todos os clientes são ocidentais.

Lá vem o autocarro e a viagem até à capital do território prossegue normalmente. Território conhecido, aquelas estações de autocarros. Primeiro a de Vasco da Gama e depois a de Panjim.

Sei que caminhar até ao bairro das Fontainhas, o mais antigo e português da cidade, é fácil. Desta vez não ficaremos na hospedaria do Botelho. Outro sinal. O Botelho revelou-se ganancioso e arrogante na comunicação e isso incomodou-me. Ficámos na Casa de Hóspedes Afonso. Uma boa segunda escolha. Mãe e filho gerem uma pequena casa, onde também vivem. Gente de afinidade cultural connosco, fluentes na nossa língua, como todos os goenses que o são, sem qualquer sotaque que revele a sua origem distinta.

A casa é bonita. Vou ser honesto: falta-lhe o charme da Hospedaria do Botelho mas é o que é. Feito o balanço não me arrependi. Localização igualmente boa e gente bem mais agradável. Um terraço delicioso, um pequeno-almoço saboroso e sem problemas de ruído.

Fomos logo almoçar ao Viva Panjim, um restaurante que tanto visitei na anterior passagem. Aí nada a apontar para além da ausência de caras conhecidas. Perdeu-se a portugalidade ali, como de resto em toda Panjim.

A tarde foi passada em passeio pelas ruas de Panjim. Conhecidas e desconhecidas. E persiste aquela sensação de perda de uma memória doce. Já não é a “minha” Panjim, onde poderia viver, de que tanto gostei.

Há turistas por todo o lado, indianos. É uma verdadeira invasão, o preço a pagar pela popularização num país com mais de um bilião de habitantes. Diz-me o anfitrião que o COVID teve este efeito. As pessoas ganharam agora o hábito de viajar e de explorar a sua Índia. E Goa é um destino preferencial. Os goenses, cristãos e mesmo hindus, estão saturados. Não gostam da descaracterização da sua terra, da perda de privacidade e de identidade. As Fontainhas estão como Sintra ou Alfama. As pessoas que ainda ali vivem sentem-se asfixiadas mas de resto cada vez menos gente ali habita. Como em tantos outros locais, as lojinhas locais deram lugar a restaurantes e cafés todos pintas e as habitações foram transformadas em AirBnB’s. Já não se ouve o português, já ninguém nos aborda descontraidamente.

Bebi uma cerveja no bar de antes, esse sim, igual a si mesmo. Já era turístico em 2019, não mudou. Mas serve as garrafas a uma temperatura ideal e está-se ali bem a observar as paragens enquanto se sacia a sede.

Ao serão ainda passámos pelo Clube Nacional, só para espreitar, e pelo Clube Vasco da Gama, onde jantámos. A comida continua portuguesa, mas o serviço não, e os clientes já não falam a nossa língua.

Já no quarto, bem instalado, toquei Portugal enquanto via um jogo do Sporting no tablet. A calma caiu sobre as Fontainhas. A maior parte dos turistas vem para uma visita de dia e parte de novo.

 

 

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