6 de Março de 2023

Peshawar fica próximo da fronteira com o Afeganistão, quase que dá para lhe chegar caminhando. E tinha também um lugarzinho guardado no meu imaginário. Veio de uma colecção de álbuns de banda desenhada cuja principal personagem era um jovem oficial inglês. Esse rapaz quase imberbe vivia aventuras fabulosas por estas paragens, distantes, exóticas, misteriosas. E agora ali ia eu, mochila pronta e fechada, apenas aguardando a chegada do Uber chamado para me levar à estação de autocarros.

Será um exagero chamar-lhe estação. A bilheteira é um pavilhãozinho pré-fabricado e os autocarros param num terreiro de piso batido.

Comprei o meu bilhete. Em toda a viagem no Paquistão foi sempre possível comunicar com o pessoal das bilheteiras de autocarro em inglês. A principal companhia de autocarros no país chama-se Daewoo Express e foi sempre essa que usei. As viaturas não são nada de especial, mas os preços são bons e o serviço é amplo, cobrindo quase  todos os pontos onde se possa querer ir.

Esperei um bocado, entrei no autocarro certo, e segui viagem à hora certa. São cerca de 200 km, uma pequena deslocação para a escala paquistanesa. E de facto assim me pareceu.

À chegada contactei um couchsurfer a quem tinha pedido hospitalidade. Não era possível, vivia com a mãe e não dava. Mas prometeu – e cumpriu – ajudar-me. Aquela primeira tarde em Peshawar foi em grande, memorável.

Passado algum tempo de espera no terminal da Daewoo Express ele apareceu. Levou-me aos sítios mais maravilhosos que a imaginação alcança. Retirando os carros deu-se um casamento perfeito entre o que residia no meu imaginário e aquilo que vi e vivi neste dia.

Para começar, conduziu-me até à pequena mas simpática residencial onde passaria as duas noites seguintes. Queria certificar-se de que eu ficaria bem, com gente honesta. Deu-me uma série de indicações sobre o bairro e onde ir comer e fazer compras. Deu-se por satisfeito com o meu alojamento, numa área que já me tinha dito ser recomendável, apesar de algo distante do centro.

Deixámos o carro numa rua marginal do centro histórico e caminhámos até um recinto onde a História se sentia no ar. Era ali um dos núcleos da antiga Peshawar, com o karavansarai, abraçado por sólidas muralhas que resistiram até hoje de forma quase integral. Ali se encontra, por exemplo, o antigo quartel de bombeiros, com uma placa que indica o ano: 1912. Outro elemento de interesse é a escavação arqueológica e os restos deixados à vista dos visitantes de uma ocupação humana que remonta ao século II a.C.

Depois o Arsalan levou-me a uma casa de batidos e sumos. No mundo islâmico, como não se consome álcool, este tipo de lojas é popular e frequente, em alguns países mais do que outros. Geralmente os produtos são deliciosos. Mas dezenas de países muçulmanos depois e outras tantas dezenas de casas de batidos e sumos, tenho que dizer: não há como o Golden Juice Point, assim se chama este antro de perdição.

Ainda não tinha começado a saborear o batido encomendado pelo meu amigo e já me derretia só de o ver chegar. Uma pirâmide de cor de um tamanho inimaginável. E depois, foi a prova e rendi-me. O melhor, de sempre!

Terminado o banquete liquido, passeámos pelas ruas da cidade antiga. A arquitectura é fascinante. As pessoas não o são menos, quase todas vestidas de forma tradicional, num festival de cor e estilos.

A meio da principal rua, caótica, plena, ladeada de comércio e casas com requintados detalhes e varandas ornamentadas, encontra-se a torre do relógio, chamada de Cunningham. É mais um dos traços das homenagens à rainha Vitória e recebeu o nome do então governador de Peshawar. Em seu redor vende-se peixe, num pequeno mercado de rua dedicado a este segmento.

O Arsalan levou-me ao museu Sethi, que é na realidade uma casa-museu. Trata-se de uma antiga casa pertencente a uma abastada família de mercadores que ainda hoje vive numa parte do imóvel.

Antigamente as casas dos mercadores que ocupavam esta parte da cidade estavam ligadas por uma rede semi-secreta de passagens e subterrâneos, hoje quase totalmente selados mas no passado muito usados.

A receber-nos estava um dos descendentes da família, que nos mostrou os recantos da casa, sempre com histórias interessantes. Uma fascinante página da minha visita a Peshawar, consolidada por uma mão cheia de fotografias.

Voltámos à rua para nos internarmos no caos crescente da hora de ponta que se aproximava. Caminhámos até à mesquita Mahabat Khan. Será talvez o templo mais bonito da cidade e estava na hora de Arsalan rezar. Enquanto ele cumpria o seu dever de crente eu sentei-me no chão, em contemplação, observando os detalhes da mesquita e os homens que ali estavam. Infelizmente durante a minha visita os minaretes estavam em obras de renovação e os andaimes colocados desfiguravam as suas esbeltas curvas, mas valeu mesmo assim por tudo o mais.

Já no carro, uma visita guiada a outras partes do centro. Primeiro sobre as quatro rodas, com indicações aqui e acolá de um bom lugar para comer, de um detalhe. Depois estacionámos, com dificuldade, e prosseguimos a pé. O bazar do ouro e alguns prédios já com alguns séculos em cima foram destacadas pelo brilhante Arsalan.

O dia aproximava-se do fim. O bom anfitrião levou-me a casa mas antes jantarmos num restaurante próximo do meu alojamento. Um local agradável, moderno, como apetecia, depois de um banho de exoticidade.

Foi um dia cinco estrelas! No quarto demorei a poder descansar porque o pessoal de serviço fazia algum barulho. Tive que esperar que lhes desse o sono para também eu poder dormir.

 

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