Tivemos que acordar cedo. Depois do pequeno-almoço a despedida sentida da equipa que nos acompanhou ao longo destes dias no Yemen. Um abraço forte ao Jamal, uma palmada forte no peito do condutor Bandar com uma nota de 20 Euros que lhe é passada discretamente. Gente boa que gostei imenso de conhecer mas que provavelmente não voltarei a ver.
Ali mesmo fomos apresentados aos condutores que nos levariam até Salalah, no Omã, onde oficialmente terminaria a tour. E seguimos, distribuídos por dois carros.
A fronteira foi fácil de passar mas paradoxalmente lenta. Passaportes para cá, passaportes para lá, saída do Yemen depois de vários controles, e depois as cenas a repetirem-se para a entrada no Omã.
De um posto fronteiriço para o outro vai o mundo, é como passar do Burundi para a Dinamarca. Equipamentos, instalações, processos. Não podiam ser mais díspares.
Já vamos rodando na estrada para Salalah quando o carro da frente faz sinal e encosta. Avaria. Parece um rolamento partido. E agora? O tempo passa, o calor aperta. As senhoras começam a ficar nervosas. Afinal o seu voo é no próprio dia. Eu, que só sairei de Salalah no dia seguinte, não vejo razões para me preocupar.
Passados alguns minutos chega um mecânico, que observa a avaria e logo parte em busca das peças para a reparação.
Debate-se o que fazer e fica decidido que iremos todos apertados num só carro, ironicamente o mais velho, enquanto o outro condutor fica a aguardar o regresso do mecânico.
A restante viagem foi longa mas sem incidentes. A paragem foi no meu hotel. Ia guardar as malas às senhoras até à hora delas seguirem para o aeroporto e o Brian estava alojado mesmo ali, do lado de lá da estrada.
Foi uma boa escolha de alojamento. Pessoalmente não tinha nenhum interesse em explorar a cidade. Fiquei no quarto, só saindo para visitar um belo supermercado ali muito próximo. O resto do dia foi portanto de descanso e a noite bem passada.
De manhã o carro agendado na recepção estava lá para nos recolher. O mesmo condutor que levou as senhoras na véspera. Foi um bom negócio, um preço abaixo do normal e serviço de qualidade.
Voo sem história para o Abu Dhabi. Comprado no terminal um cartão com dados para o telemóvel. A viagem para o centro, onde fica o nosso hotel para as próximas duas noites, faz-se de autocarro e com uma grande angústia: ainda no aeroporto apercebi-me que a câmara fotográfica não estava comigo. Fazendo uma pesquisa mental, soube de imediato que tinha ficado no chão, debaixo da cadeira da frente. Encontrei a secção de perdidos e achados, fiz a participação da ocorrência, disseram-me que normalmente se fosse encontrada receberia uma notificação por e-mail nas próximas 3 a 6 horas.
Foi portanto algo ensombrada a chegada a Abu Dhabi. O alojamento foi fácil de encontrar, era bom e bem localizado, com autocarros por perto. Fiquei a descansar e acabei por adormecer. Neste dia não me apetecia fazer nada, entre o cansaço físico acumulado e uma certa depressão com a perda da câmara e, talvez ainda pior, todo o espólio fotográfico da viagem pelo Yemen. E eu que tenho o hábito de fazer cópias de segurança para o tablet desta vez relaxei-me!
Ao fim da tarde a grande notícia: a câmara tinha sido encontrada. Que alegria! Fez-se o plano para o dia seguinte: apanhar o autocarro de volta para o aeroporto, recuperar a câmara e de lá seguir noutro autocarro para a Grande Mesquita, a única coisa que queria verdadeiramente ver no Abu Dhabi.
Jantar agradável num restaurante local ali próximo, um bom momento gravado na memória. A refeição foi tomada no exterior, num serão ameno e com muito boa disposição.
O plano traçado decorreu na perfeição. Relativamente cedo apanhámos o autocarro para o aeroporto onde rapidamente recuperei a minha amada. Depois, uns minutos de espera e a caminho da Grande Mesquita.
Na minha anterior passagem pelos Emirados, na altura a caminho do Omã e do Sri Lanka, tinha procurado visitar esta mesquita mas o tempo disponível não o permitiu. Seria então agora que encontraria esta maravilha.
Antes de entrar somos logo brindados por um conjunto de lagos e fontes, azuis da cor do céu e depois vamos para o interior, não da sala de oração, mas do complexo arquitectónico. E aí percebo o golpe de génio aplicado. Não na construção mas na gestão das visitas, que são aos milhares. Em vez de nos permitirem cirandar à vontade pelos espaços, criaram um percurso balizado, estudado ao pormenor para podermos absorver as diversas perspectivas e observar os pontos fulcrais da mesquita sem que ninguém surja aos nossos olhos. É fabulosa, a ideia e a sua aplicação! Compreendo agora como existem tantas fotos deste magnífico local sem que se veja vivalma, apesar de a cada momento estar aqui uma multidão.
Tudo aqui parece saído de um conto das Mil e Uma Noites. As cúpulas riquíssimas, o branco mármore que nos cerca, uma espécie de Uyuni humano. A decoração incorporada no chão do pátio (desculpem a ignorância, certamente há um nome mais adequado) principal, a grandiosidade da sala de orações. É tudo de deixar uma pessoa de boca aberta.
No regresso um almoço excelente num pequeno restaurante indiano com umas poucas mesas na rua. E para o resto do dia não fiz mais nada. O Abu Dhabi não tem o potencial do Dubai, Qatar ou Bahrein, é essencialmente desinteressante com uns poucos pontos que valem tudo.
É o caso do Qasr Al Watan, que visitámos seguidamente. O chamado “Palácio Presidencial”, nome algo bizarro num emirado. Para aqui, ao contrário do que sucede na Grande Mesquita, é preciso comprar bilhete. A visita vale cada cêntimo. Dentro de outro género, secular, é tão fabuloso como a mesquita. As suas cúpulas são maravilhosas, a riqueza da decoração, a iluminação, os detalhes, os jogos de espelhos. O espaço tem toques de museu, combinando a mera grandiosidade da arquitectura com salas de exposição temáticas. Gostei imenso e recomendo!
Para nos movimentarmos no Abu Dhabi usámos uma mistura de autocarros e de Kareem, uma versão da Uber muito usada no mundo árabe. Tudo muito funcional.
O dia seguinte, o último desta viagem, começou com uma visita ao Qasr Al Hosn, o forte onde tudo começou para o Abu Dhabi. Foi em 1761 que a sua construção foi concluída e desde então tornou-se centro de poder. Com o decorrer do século XX a cidade cresceu, o forte perdeu destaque, foi devorado pelo novo espaço urbano. Actualmente é um museu que pouco mais é do que uma oportunidade de ver o espaço por dentro.
Nesta visita fomos atormentados pelo calor. Estava mesmo forte. Sol alto, temperatura abrasadora. Estava pouca gente. Um casal de estrangeiros, alguns locais. As salas de exposição estão vazias ou com coleções fraquinhas. A cidade está de resto tranquila, como se dormisse aquela hora.
As mochilas tinham ficado à guarda do hotel para o dia. Tínhamos voo ao serão para Budapeste. Mas havia outra coisa que queríamos fazer antes de deixar o Abu Dhabi para trás: ver o pôr-de-sol num ponto com um espelho de água que oferecia uma vista perfeita da Grande Mesquita. Já levávamos as mochilas, seria depois directo dali para o aeroporto.
Este foi um momento único, belíssimo, magnífico e todos os adjectivos mais que possamos imaginar. O espectáculo natural começa ainda de dia. O céu escurece gradualmente, mudando de cores até chegar o escuro total. Tiro dezenas de fotografias, numa espiral de loucura. Até que chega a hora de apanhar o autocarro para o aeroporto. Deu muito jeito haver uma rota mesmo dali até ao terminal.
E pronto, fez-se o voo nocturno para Budapeste e de lá, às primeiras horas da manhã, a ligação para Faro. Acabou.