10 de Fevereiro de 2023
Segundo dia completo em Bandipur. Começa com o pequeno-almoço preparado com amor pela dona da casa. Tomado em êxtase, observando a rua. É como comer a ver televisão no momento em que passa um programa do National Geographic. Vão passando à nossa frente as pessoas mais exóticas e com roupas mais coloridas que consigo imaginar.
Hoje é dia de passeio. Daqui a Ramkot são 5 km para cada lado. E o que é Ramkot? Uma aldeia. Uma verdadeira aldeia, mais pequena, mais compacta, mais rural do que Bandipur. Para lá se chegar não há uma estrada. Há um trilho, percorrido a custo por viaturas de duas rodas. As pessoas de Ramkot usam motas para se movimentar.
É um belo passeio. Vou caminhando, alegre, vendo. Passo por um grupelho de casas. Uma velhota conduz duas vacas. Num trilho estreito que se afasta da rota que levo, vejo um ponto vermelho, lá longe. É uma pessoa que por ali vai.
Apesar da fraca visibilidade se manter, mesmo assim, a paisagem impressiona. Num outro dia, sem esta névoa que tapa as verdadeiras montanhas, este passeio deve ser algo de outro mundo.
A temperatura está perfeita e na medida do possível o céu está azul. Os quilómetros vão passando e eu, alegre, vou-me aproximando de Ramkot.
O primeiro sinal de que estou a chegar é a escola. Vejo-a ao longe. Os meninos estão no pátio mas de repente já não estão. Algo ou alguém os chamou para dentro, a aula terá começado. Pelos trilhos vejo um ou outro retardatário que caminha em direcção ao edíficio azul que é a escola de Ramkot.
Surgem também sinais de exploração agrícola. Montes de feno, enrolados de maneira muito particular, campos de lavra, em socalcos. Pessoas, não. A zona parece deserta, quase fantasma.
Entro na aldeia, estou fascinado. É isto que me leva a viajar, viver momentos únicos, que só existem em determinado lugar e tempo. E o Nepal oferece muitos. Imagino Ramkot há 100 anos atrás. Não seria diferente.
Finalmente vejo pessoas. É como se toda a gente da aldeia – ou pelo menos os varões – estivessem ali. Um grupo de homens, reforçado por mais chegadas à medida que me aproximo, começa a trabalhar em algo que penso ser um projecto comunitário. Mexe-se cimento, vejo que tem algo a ver com um curso de água. Passo por eles, um sorri-me, os outros mantêm-se indiferentes. E esta possibilidade de simplesmente estar sem me sentir a mais é mais uma das coisas que adorei no Nepal. Talvez em aldeias muito mais remotas as coisas seja diferentes, mas por onde andei tive sempre esta indiferença benévola.
Penso que uma aldeia portuguesa no país profundo dos anos 40 deveria ser assim. As casas, com os seus currais, juntas, caminhos de terra, fumos que se elevam das chaminés, o som de vozes em parte incerta. As motas – único sinal de modernidade que vejo, estão todas concentradas, no local onde os homens trabalham.
Descubro uma pequena venda, modesta, pobre. Não está ninguém mas ouço restolhar por cima. São apenas um par de metros quadrados. Lar e negócio do lojista. Ao sentir-me desce por uma escada de madeira. Fala um pouco de inglês, abre o pequeno frigorifico para me mostrar o que há de fresco. Vou com sede, ao longo do caminho o calor intensificou-se, suei, agora sinto a necessidade de me hidratar.
Peço uma CocaCola e uma água e converso um pouco com ele. Explica-me que a comunidade de Ramkot é etnicamente diferente de todos os nepaleses existentes na região. São uma bolsa mongol, que ali ficou desde os tempos do grande império, e assim se mantém. Diz-me também que de uma população de cerca de 120 pessoas, seis delas estão agora a viver em Portugal.
Sento-me ali um pouco, num murete, e vou vendo as idas e vindas da clientela. Podia estar ali uma eternidade, mas eventualmente tenho que me mexer.
Tinha visto um cartaz a apontar para um hotel. Procuro-o mas não encontro nada. Um aldeão indica-me por gestos que já não existe. É pena. Adoraria ficar ali uma noite. Ou mais.
É hora de iniciar o caminho de regresso, com o coração e a alma cheios de alegria. Foi um passeio muito bem conseguido.
Saio por outro caminho, que me foi indicado pelo lojista. Deixo para trás as últimas casas e ouço chamar. Um homem lavra um campo com um companheiro, conduzindo dois bois, e acena entusiasticamente. Correspondo, trocamos algumas saudações em inglês.
Afasto-me da aldeia. Encontro um pedacinho encantador, com relva curta e uma inclinação ideal e instalo-me a ler, deitado a apreciar o sossego e os sons da natureza.
Quando regresso a Bandipur o sol já vai baixo. Mais um passeio pela aldeia, paragens para comprar alguns abastecimentos, comer algo num restaurante, preparar para regressar ao quarto e descansar os velhos ossos.