Dia 28 de Fevereiro de 2024

Juro que quando saí de casa e me dirigi à saída do campus ia curioso, como que fazendo apostas comigo próprio. Estaria o Abdul lá? Ou não?

Confesso que fiquei um pouco decepcionado quando cheguei ao portão e olhando em redor não o vi. Mas um segundo depois a minha visão periférica chamou-me a atenção para uma pulguinha aos saltos do outro lado da estrada com três faixas de cada lado. Lá estava ele, literalmente aos saltos e a agitar os braços para me chamar a atenção.

Atravessei a correr com um sorriso que quase evoluía para a gargalhada. Que surpresa boa!

Cumprimentei-o, saltei para o banco traseiro do tuk-tuk e reparei no estado imaculado em que estava a viatura. Tudo bem arranjado, tão novo quanto possível, imaculadamente limpo.

Bom, disse-lhe onde queria ir. Para começar, Minar e-Pakistan. Trata-se de uma torre monumental erigida no local onde em 1940 se deu um passo importante – talvez o primeiro – para a criação de um Paquistão independente. Está localizada num parque junto ao centro histórico de Lahore que consultando o mapa e a fotografia satélite me parece atractivo. Não é, mas parece.

Antes de arrancar o Abdul anuncia o destino, com voz solene e postura digna: “Minar e-Pakistan”. Ainda hoje sorrio ao relembrar este hábito que se manteve nos dias em que viajámos juntos pelas ruas e estradas de Lahore. Fazia-me lembrar um guarda-freio de outros tempos, anunciando a paragem seguinte de um comboio puxado por uma locomotiva a vapor.

O trânsito normal para Lahore antiga

Chegados a um dos portões de acesso ao parque combinámos uma hora de reencontro (incrível como não falando a mesma língua sempre nos entendemos sem falhas de comunicação) e fui à descoberta do Paquistão. A exploração deste país começava ali e naquele momento. Antes, apenas preâmbulos e problemas para resolver.

O dia não estava especialmente bonito. Muito cinzento, ameaçando chuva. No parque não havia quase ninguém. Alguns homens caminhavam aqui e acolá, dirigindo-se a algum lugar específico, atravessando a zona de passagem.

O monumento vê-se bem ao longe mas é apenas ao longe que será visto pois uma barreira de segurança veda o acesso a uma observação mais próxima.

Ali próximo há o Museu de História Nacional, que visito. Um museu interessante mas limitado na colecção. À saída um jovem funcionário pergunta-me o que achei, pede-me ideias, críticas, conselhos para melhorar o museu. Tendo trabalhado nesta área durante uns anos conversei um pouco com ele. Na realidade não há muito a adicionar. Com os materiais existentes está até bastante bem conseguido.

Agora passaria para o Forte de Lahore. Um dia inteiro talvez fosse suficiente para explorar o imenso complexo do forte. Só tinha um par de horas e tentei fazer o melhor uso deste tempo. De facto é um local impressionante que vale bem o dinheiro (inflacionado para estrangeiro) do bilhete.

Seria monótono descrever aqui tudo o que vi no forte. Trata-se de um sem número de bastiões, pátios, espaços abertos, pavilhões. Deliciei-me não só com a arquitectura militar mas também com os outros visitantes. Gentes diferentes, pitorescas. Os guardas cerimoniais são igualmente vistosos e vendo-me a olhá-los um deles faz-me sinal para não me fazer rogado e fotografá-los à vontade.

Um grupo de ocidentais faz vezes de estrelas do cinema, rodeado de paquistaneses desejosos de uma fotografia em conjunto e de uma pequena conversa.

Vejo um pai que caminha por um amplo relvado com os seus três rebentos, todos vestidos de igual, de roupas tradicionais brancas, a correr livremente. Doces anos de infância.

Observo os magníficos trabalhos de azulejo que revestem uma parte do forte. As guaritas que vigiavam o exterior. Os frescos nuns tectos. As maciças portas de madeira de uma entrada secundária. Do alto das muralhas observo o caos puro da cidade antiga, que se encontra mesmo ali, do lado de lá da rua.

Já no fim encontrei um pavilhão especial: era preciso pagar um bilhete à parte e não se podia tirar fotos no seu interior. Mas o simpático funcionário vendo o meu desapontamento deu a entender que ninguém repararia se eu de facto recolhesse umas imagens. Em boa hora decidi largar o dinheiro extra porque de facto o lugar era espectacular, ricamente decorado, fazendo-me lembrar algumas casas de ricos mercadores que tinha visitado em Shiraz, no Irão.

E assim se fechou a visita memorável ao Forte de Lahore. Ia agora entrar na mesquita mais importante da cidade, construída mesmo à frente da entrada principal do forte.

Chama-se mesquita Badshahi e é lindíssima. Diria, na minha ignorância, que é muito parecida com a principal mesquita de Delhi. Um espaço grandioso irradiando espiritualidade e harmonia.

Visito-a com toda a calma e à saída um dos fotógrafos que ganha a vida vendendo retratos aos crentes que ali acorrem mete conversa comigo, pede para fazer um pequeno filme comigo, onde eu deverei gritar uma palavra de ordem pró-Paquistão. Divertido. Diz-me que ontem mesmo esteve ali um grupo de uns 30 portugueses. Não o levo a sério, mas mais tarde, quando em todo o lado que vou me dizem o mesmo, percebo que anda mesmo à solta por Lahore uma tour de portugueses.

E pronto, está na hora de reencontrar o Abdul e de lhe pedir para me conduzir para os Shalimar Gardens e assim fechar o dia.

Estes jardins datam da era Mughal e a sua construção iniciou-se em 1641. Devo confessar que fiquei um pouco decepcionado. Esperava mais. O recinto principal é fabuloso mas o resto não me encantou. Não tive portanto problemas em respeitar o pouco tempo que o Abdul me deu para visitar (tinha que ir a algum sítio).  Afinal ainda fui eu que tive que esperar por ele no lugar combinado.

E está feito. Agora é seguir para casa. Desta vez sem problemas para entrar no campus. Por causa das coisas tinha agora um papel escrito pelo meu anfitrião, uma espécie de salvo-conduto assinado por ele. E o tipo não me parecia ser homem para brincadeiras.

Ao serão jantámos juntos numa enorme cantina universitária cheia de vida onde fomos de mota. Aos poucos ele vai-se abrindo, mas é evidente que é uma pessoa reservada que mantém um semblante austero a maior parte do tempo.

Foi assim o primeiro dia completo no Paquistão. Não correu mal.

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