A ideia era acordar cedo para subir ao topo do monte onde se encontra a figura de Cristo. Na véspera tinha visto uma pequena multidão lá em cima, pela hora do pôr-do-sol, e queria ir bem cedo para aumentar as probabilidades de usufruir do lugar com tranquilidade.

Do hostel ao início do trilho não leva muito tempo. Poderia ir à volta, pela estrada, mas a escolha natural será entrar pelo Parque Botânico e depois subir pelos trilhos que seguem encosta acima, abraçado pelas árvores e pela floresta de bambu. É um local encantador, muito fresco, que oferece sombra e tranquilidade. Há pontes e pequenos lagos, muitas árvores, uma floresta de bambu. E a passagem para o cerro do Cristo.

Lá em cima, como seria de esperar, uma vista deslumbrante. O pensamento voou-me para uma outra cruz, sobre Antigua, na Guatemala, onde estive quatro anos antes. Uma subida mais exigente, mais perigosa e com uma vista ainda mais impressionante. Não só porque Antigua é muito maior mas porque no horizonte se viam os vulcões em actividade.

E ali se esteve. Sentado, a ver, a respirar, a sentir o sol da manhã na pele. E então chegou um homem jovem com um cão. Não demorou muito até me chegar ao nariz o aroma inconfundível de um charro a queimar. Outra vez. Muito disto se fuma na Colômbia.
Passado um bocado vejo o homem com um saco de plástico a apanhar o pequeno lixo que ali se encontrava. Levantei-me e juntei-me à tarefa. Entre nós limpámos aquela porcaria toda e depois, claro, conversámos um bocado.

O Andres é pinto de profissão. Nasceu e sempre viveu em Jericó e não quer outra coisa. Os pássaros são melhores que os carros da grande cidade. Mostra-me coisas, ali de cima. Trilhos e passeios apetecíveis. A Osiris, a sua cadela com nome de princesa egípcia, escuta com atenção. Fala-me dos deslizamentos de terras que colocaram a aldeia em polvorossa. Nos tempos que se seguiram ficou tudo “muerto, muerto”. Sem turistas. E o teleférico que ligava o Cristo até ao Cerro de las Nubes parou. Deixou de existir segurança estrutural para a sua operação. Que momento bom. É por isto que gosto tanto de viajar em países onde não encontro uma barreira linguística.

Descemos pelo mesmo caminho, explorámos um trilho assinalado no interior do terreno do jardim botânico. Em grande. O céu, lá em cima, ajudava. Um belo céu azul, com algumas núvens a temperar o prato.

Depois, o regresso à aldeia. Mergulhar nas cores das suas paredes, janelas e portas, pensando em quantas delas seriam obra do Andres.

Sob uma estátua da Virgem Maria, que se encontra em frente a um mural de rua, descansa um homem de idade. Observador, com todo o tempo do mundo, sombrero na cabeça.
Mais à frente, um outro mural. Encantador. O vaguear deu frutos. Encontrámos o BOMARZO, um local fascinante. Um espaço dedicado à cultura instalado num antigo convento. Que é aliás gerido pela Igreja, que cedeu as instalações. Ali existem exposições, café e restaurante. Alugam-se quartos, cujas portas dão para um corredor cujas paredes estão forradas com telas.

Vendem-se peças de arte e artesanato. Há espectáculos de música ao serão. Um dinamismo fabuloso, numa aldeia com cerca de dez mil habitantes. Aquela hora ainda está muito morto, mas dá para perceber que há que regressar mais tarde.


Chega a fome e o pequeno-almoço é servido num café muito local, na praça principal. Uma menina volumosa serve um batido de morango e leite. Como se trata de uma combinação tinha vindo à mesa perguntar se não havia problema de ser muito. Só conseguia fazer um litro, não menos, Pois venha de lá esse litro. E que litro! Um jarro de plástico com essa capacidade cheio de um delicioso batido cremoso, quase como se tivesse natas, e um sabor rico a morango. Isto acompanhou um pastei de goiabada que também estava muito bom. Ainda comprei uns caramelos para levar e pelo conjunto paguei menos de 1,50 Euros.

Enquanto tomava este fausto pequeno-almoço observava. Ao meu lado sentaram-se dois compadres de sombrero. Lá fora iam e vinham os motocarros, como aqui se chamam aos tuc-tuc. E passavam pessoas, muitas delas intrigantes.

Dali saí e fui meter o nariz na catedral. Um templo de interior pobrezinho, desinteressante.
Já tanto se tinha passado e ainda não era meio-dia. Caminhei em direcção ao hostel e, vendo a porta da igreja vizinha aberta entrei. Tendo um estatuto inferior ao da catedral é contudo muito mais bonita, quer por dentro quer por fora. Estava deserta. Um crente sentava-se em rezas murmuradas, confissões pessoais, intimas, secretas.

Descansei um pouco na rede do Las Cometas, avançando um pouco no péssimo livro de viagens que me acompanhava nestes dias.

 

O Andrés tinha-me falado numa agradável caminhada que se fazia junto ao rio, lá em baixo, no vale que se seguia à aldeia. E que se podia ir até lá de chiva e regressar a pé. Foi isso mesmo que fiz. A viatura saía às 13:00 e lá me posicionei para a minha primeira experiência nestes fascinantes autocarros rurais colombianos, camiões com uma caixa de madeira montada sobre o chassis, ricamente ornamentada com pinturas e na qual se encontram uma série de bancos corridos.

Paguei 2.000 COP ao ajudante que se movimenta pelo exterior, numa ousada exibição de equilíbrio e força sublinhada pela trepidação e pelos saltos proporcionados pela suspensa deficitária da máquina.

Saltei para o chão umas centenas de metros depois de encontrarmos o rio. Estava calor. Havia pessoas que se banhavam nas piscinas naturais formadas. Olhei. E comecei a regressar. Não era tão bonito como pensava, agora havia que fazer os mais de 3 km que me separavam de casa. E, como disse, estava calor. O percurso era todo a subir. Suei muito, mas soube-me bem. Foi um bom exercício e um passeio agradável.Gostei de passar junto a colinas cobertas de plantas de café, de ver a magnificência das montanhas da região de perto, de ter uma perspectiva afastada de Jericó.

No resto na tarde, mais passeata pela aldeia. Compras no mercado da praça principal e uma visita ao Bomarzo. Ali se bebeu um sumo e se arranjou as coisas para se passar lá a noite seguinte, já que o hostel estava lotado e era preciso um alojamento para passar mais um dia nesta encantadora aldeia. Ficou escolhida a cela conventual que iria custar menos de 20 Euros.


No regresso ao hostel, uma paragem para comprar abastecimentos para a ceia. Precisamente onde a menina avantajada tinha preparado aquele delicioso batido. Ali, olho para a TV e o meu pensamento pára por um segundo. Não é possível… está a dar um resumo de um jogo de futebol e o título é Sporting Braga no tuvo piedad: 7-1 vs Belenenses. E segue-se o Benfica. Fabuloso!

Ao serão ainda houve energia para uma terceira passagem pelo Bomarzo, para honrar o convite feito pelo simpático director do espaço, o bonacheirão Angel. A música começou às 20:00 mas o cansaço não permitiu a noitada que conviria.

A caminho do hostel um grupo de cavaleiras de pinta rancheira, calças de ganga e sombreiros, deitava cervejas abaixo sem saírem das suas montadas, frente a um dos muitos bares da zona. E mais um dia normal na terra do café!

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